José Escarlate
Vivíamos dias tensos no Palácio do Planalto. Como arma de defesa tínhamos o telefone, a caneta e a máquina de escrever, que hoje é peça de museu. Tensão, pelo Pacote de Abril, quando o presidente determinou o fechamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para implantar a Reforma do Judiciário, negada pelo Congresso. Nesses dias, os soldados do Batalhão da Guarda Presidencial, que faziam a segurança do Planalto, andavam de armas embaladas. O pessoal do Serviço de Segurança, por orientação do coronel Pedroso, igualmente.
Se para os jornalistas já era penoso circular pelo palácio, com o esquema endurecido tornou-se mais difícil ainda. Tínhamos que nos submeter aos releases produzidos pela Secretaria de Imprensa, sem condições de ouvir alguém para melhorar a matéria. O material era impingido goela abaixo. Nenhuma autoridade palaciana dava informações. Quem sabia das coisas, sumia. Todos cumpriam rigidamente a máxima implantada pelo ministro Golbery do Couto e Silva, ao dizer que “segredo, só guarda quem não sabe”.
Outro episódio muito tenso em que vivemos, encurralados na sala de imprensa do Palácio do Planalto, foi por ocasião da demissão do Ministro do Exército, Sylvio Frota.
Há dias as redações dos jornais alertavam para um curto-circuito entre Geisel e o ministro. Isso porque Frota, ligado à linha dura, se rebelara e estava mantendo contato com um grupo de jornalistas sobre a possibilidade de ser ungido futuro presidente da República. Ele sabia que Geisel não o queria por lá, principalmente porque Frota já não dispunha de acesso ao gabinete presidencial.
Em 9 de abril de 1974, ainda Chefe do Emfa e membro do Conselho de Segurança Nacional, houve um estremecimento entre ambos. Frota enviou a Geisel parecer contrário a documento do Itamaraty sobre o reatamento de relações com a China comunista. Lembrava que, além de um país comunista, isso criaria problemas com a China Nacionalista, com quem o Brasil tinha boas relações comerciais e políticas. Já ministro do Exército, com a morte de Dale Coutinho, Frota manteve a posição e não mais tomou conhecimento do assunto.
Geisel tinha interesse em reatar com a China e pediu o general Hugo Abreu, do Gabinete Militar, que tivesse uma conversa com Frota sobre o assunto. Frota manteve-se irredutível. Teimoso, Geisel restabeleceu, em 15 de agosto de 1974, as relações diplomáticas com a República Popular da China. Frota pensou em entregar o cargo, só não o fazendo em razão da responsabilidade assumida perante o Exército.
No seu livro “Ideais Traídos”, Frota diz ter sido vítima, nos anos seguintes, de armações do grupo palaciano, citando Golbery – com o apoio de Figueiredo -, e de Heitor Aquino Ferreira, secretário particular do presidente.
Na verdade, Geisel sabia que Frota, quando ia ao Planalto subia diretamente ao quarto andar, onde entregava o seu expediente, para assinatura do presidente, ao ministro Hugo Abreu, do Gabinete Militar. Alegava que não tinha nada a falar com o presidente e que não queria incomodá-lo. Geisel soube e não gostou.