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Quem casa quer casa, e Guará é trocado por praia

Carlota, por detrás daqueles óculos escuros, usados até nas noites mais sombrias, adorava observar os outros. De tão observadora, era capaz de afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, quantos passos cada membro da família dava até o banheiro todas as manhãs. Agnaldo, o marido, arrastava a perna esquerda por conta de um furúnculo mal curado. Todavia, o velho insistia em dizer que era por conta da guerra, mesmo que não tenha enfrentado qualquer uma, a não ser a luta contra lombrigueira durante a infância em Caxias, a famosa terra de Gonçalves Dias, tão cantada por Luiz Gonzaga.

Alberto e Roberto, os gêmeos, quase não paravam em casa, enquanto Sônia, a única dos três filhos que se sustentava e ainda ajudava nas despesas, andava à procura de um marido que prestasse. Os hormônios, cada vez mais ausentes, diziam que era agora ou nunca.

A velha adorava arrumar intriga com a filha, que era a mais nova. Não que Sônia fosse merecedora de tamanha perseguição. Era o que se pode chamar de boa filha. Por outro lado, era toda mimos com os gêmeos, dois notórios vagabundos no alto dos 50 anos. Os dois viviam como adolescentes, às custas da aposentadoria dos pais. É certo que de vez em quando conseguiam um emprego aqui e ali, mas logo eram despedidos por pura falta de compromisso com o horário e o trabalho. Atrasavam quase sempre, menos aos domingos e feriados, dias das folgas.

Foi numa sexta-feira, durante o café da manhã, que Sônia resolveu contar a novidade, que tanto guardara por medo de não dar certo. Superstições, diriam alguns. Seja como for, ela se virou para os pais e os irmãos, todos sentados à mesa. Disse que precisava lhes contar algo muito bom, que mudaria a sua vida. Todos a olharam espantados, especialmente Carlota, que não conseguia disfarçar a ansiedade por detrás dos óculos escuros.

Sônia, com um sorriso maior que a própria cara, disse que iria se casar com Juvenal, seu colega no Banco do Brasil. A família sabia muito bem quem era o tal homem, mas todos imaginaram que se tratava de apenas mais um namorico da parenta. Carlota, sem saber nem mesmo os detalhes, já quis protestar. Ela, talvez por hábito herdado, precisava discordar da sua filha.

_ Veja bem! Você nem conhece o rapaz direito. Além do mais…

A filha nem escutou as palavras da mãe ou, se ouviu, fez questão de fingir que não. O que se sabe é que o casório aconteceu no mês seguinte. Sônia e Juvenal se casaram apenas no civil. Até prometeram uma cerimônia para os mais chegados, coisa que nunca aconteceu. Saíram em lua de mel para João Pessoa. Gostaram tanto do lugar, que pediram para serem transferidos para uma agência naquela cidade.

Carlota andou calada por um bom tempo. Quase não dizia uma palavra sequer durante o café da manhã. Diante do marido manco e dos filhos, sentia falta de Sônia. Ela ouvia as idiotices de Roberto, ao mesmo tempo em que observava a cara de imbecil de Alberto. Dois trastes inúteis! Foi a gota d’água que faltava. Naquele dia mesmo ela comprou duas passagens de ida: uma para ela e outra pro Agnaldo. Iriam visitar a filha e, finalmente, conhecer o neto, que, diziam, corria pelas areias da praia de Cabo Branco. Parece que gostaram tanto, que já faz mais de ano que não voltaram para casa, ali no Guará.

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