Às vésperas do carnaval, período onde peitos e bundas são permitidos e até esperados nas passarelas do samba e na televisão, a Comissão de Constituição e Justiça vai analisar algo que causa escândalo para muitos: o direito das mães de cometerem a “ousadia” de amamentar seus filhos na hora em que eles têm fome, sem fugir para montanhas ou ter de colocar paninhos para se “proteger” dos olhares de homens que não entendem que os peitos foram projetados para que os mamíferos amamentem seus filhotes, e não para o seu prazer sexual.
Não faltam exemplos de como as mulheres sofrem quando decidem dar de mamar em espaços públicos, uma prova de que o peito é sexualizado até quanto está sendo utilizado em sua função primária. Ano passado eu entrevistei uma mãe que foi constrangida por um segurança em um terminal de ônibus por dar de mamar ao filho – o funcionário afirmou que “colocar o peito para fora” configuraria crime de “atentado violento ao pudor”. Outra estava no curso de madrinha de casamento, ministrado pela igreja católica, quando ouviu a “sugestão” de que as mães que fossem amamentar se dirigissem para outro espaço, “longe dos homens”.
Fato é que um projeto que criminaliza a violação do direito à amamentação está na pauta da CCJ do Senado. O texto, proposto pela ex-senadora Vanessa Grazziotin, assegura o direito das mães de amamentar em qualquer local público ou privado sem sofrer qualquer impedimento e estabelece que, mesmo havendo espaço reservado para amamentação nos estabelecimentos, cabe somente às mães decidir se querem ou não utilizar o local. Quem proibir ou constranger as que decidirem alimentar seus filhos onde bem entenderem poderá ter de pagar multa.
Não estou certa se a solução seja criminalizar quem constranja as mães, mas não tenho dúvidas de que essa é uma discussão urgente. A notícia de que o tema estava em pauta agitou as redes sociais, que inicialmente se mostraram incrédulas à necessidade de que a questão seja discutida pelo legislativo já que, em tese, ninguém é contra a amamentação. “Nem precisava da intervenção do estado pra uma coisa simples e natural como essa”, opinou um internauta. Mas, ao ampliarmos o olhar, conseguimos entender por que a questão precisa, sim, ser debatida com urgência. Muitos são favoráveis a amamentação em público, desde que a mulher “tenha pudor”. “Não vejo problema algum na amamentação em público. Só acho que a mulher não precisa escancarar. Basta colocar um paninho leve sobre o peito. A criança se sente mais protegida e a mãe impõe respeito sobre si mesma. Só acho”, opinou uma mulher na página do Senado no Twitter.
Fiquei pensando em como uma mãe que decide alimentar seu filho no momento em que ele sente fome – na fila do banco, na exposição de arte, na padaria, no terminal de ônibus ou no metrô – não estaria “impondo respeito” ao atender a demanda do seu filho. Eu sinto vontade de aplaudi-la pela disponibilidade, algo que nem todas têm, por motivos diversos, entre eles comentários preconceituosos como esse. E sinto muito por aqueles que acreditam que o bebê tenha que mamar escondido, coberto. Não soaria absurdo se nós, os adultos, fôssemos obrigados a nos alimentar debaixo de um paninho por que os que nos cercam decidiram que fazer isso em público é indecente? Imagine a cena e entenda por que essa ideia não faz nenhum sentido.
É sempre importante lembrar que a OMS, Organização Mundial da Saúde, recomenda que os bebês devam ser amamentados exclusivamente no peito até o sexto mês e continuem mamando até pelo menos o segundo ano de vida. O leite materno é o melhor alimento que podemos fornecer aos nossos filhos: contém todas as proteínas, açúcares, gorduras, vitaminas e a água que necessitam, na medida certa. Ao contrário do leite em pó, ele carrega os anticorpos da mãe, que protege o bebê de diversas doenças e infecções. O vínculo afetivo entre mamãe e bebê também é estimulado, fazendo com que a mulher se sinta mais segura e menos ansiosa. Amamentar no peito além de tudo é prático, porque não é necessário preparar e esterilizar mamadeiras, e econômico, porque o leite materno é de graça.
Uma sociedade que julga a amamentação em público só reconhece a mulher como objeto sexual, sem respeitar seu papel de dona do próprio corpo e das próprias vontades. Ao colocar o projeto em discussão, o Legislativo sinaliza que é a sociedade que tem que se adequar às necessidades das mães, e não o contrário. Que assim seja.