Dia desses recebi de uma amiga um texto de reflexão no zap com a seguinte pergunta: Macumba pega? Pergunta interessante e, de imediato, imaginei que a resposta fosse ainda mais surpreendente. E foi. O problema foi a surpresa ao perceber que pergunta e resposta advieram de um fato real, embora tenha envolvido um ser iluminado, daqueles que surgem entre nós, sentam do nosso lado, convivem conosco anos a fio e só percebemos sua importância quando retornam ao mundo de onde vieram e para onde iremos todos. Poderia estar falando de um pai, de uma mãe, dos filhos, da mãe dos filhos, da paixão de uma vida, de um político preocupado com o país ou até de um presidente da República que tenha trabalhado para o povo, do tipo “pai dos pobres”. Claro que, fora dos entes queridos, o resto (o termo é mesmo o resto) é ficção, lenda, algo que beira o surreal.
Voltando ao personagem da indagação inicial, refiro-me ao bom e inesquecível homem e médium Chico Xavier, que fez da então simplória Uberaba um dos mais importantes berços da doutrina espírita no Brasil. Atribuída ao próprio Chico, a narrativa a seguir ocorreu na cidade do Triângulo Mineiro e revela que uma senhora passou um dia inteiro de pé em uma longa fila só para ter a chance de fazer uma pergunta ao médium. Muitas horas depois, de frente com ele, cheia de medos e preocupações, encorajou-se e perguntou: “Seu Chico Xavier, macumba pega?” Sorrindo e com a voz sempre pausada, o médium fez outro questionamento: “Minha filha, se você joga uma pedra em uma grande parede com um buraco no meio, o que acontece? “A pedra entra”, respondeu a senhora.
“E se não houver buraco”?, retrucou Chico. “Ela vai bater e, com certeza, voltará”, afirmou a interlocutora, agora sem o medo de perder a esperança e com a segurança de um eleitor defronte à urna eletrônica e sem dúvida alguma acerca do candidato no qual não votará sob qualquer hipótese. Pedindo perdão antecipado a Deus e aos irmãos iluminados do mundo espiritual, pois é justamente assim que avalio o Brasil de hoje. Está sublinhado nos escritos que, a cada vez que você fizer de sua língua uma arma venenosa, a cada ato de perversidade ou falsidade, aumentará o buraco de sua parede. “Quem joga pedras, cedo ou tarde levará uma pedrada”. Infelizmente, é o que observamos dia e noite, domingos e feriados e, principalmente, nas lives noturnas das quintas-feiras.
Não há como olvidar os fatos e deixar de fazer uma analogia da verve de Chico Xavier com a do comandante da embarcação chamada Brasil. Eleito democraticamente e, por isso, merecedor do respeito de todos, preferiu esburacar as paredes do Palácio do Planalto logo nos primeiros dias da administração. Inicialmente, apedrejou todos os que, mesmo sem ter certeza, supostamente haviam votado no outro candidato. Depois, fingindo ignorar as leis, pregou a violência contra opositores e fez coro àqueles que pediam o fechamento de instituições sérias e seculares, além da prisão de seus integrantes. Por fim, fulanizou, escrachou e negou – continua negando – um vírus incolor, inodoro, sem clubismo e apolítico. E não importa de onde tenha vindo ou se foi deliberadamente fabricado, esse vírus tido como “gripezinha” sem importância provocou uma carnificina entre nós.
Somos hoje quase 22,2 milhões de infectados e 617 mil irmãos brasileiros transformados em estatística. E isso um dia não teve a menor importância. Aliás, o que foi ou é importante para nosso mandatário? As tardias e politizadas campanhas de vacinação e a consequente queda no número de mortes são a prova inconteste de que o governo perdeu tempo com o negacionismo, com o atraso e com o investigado superfaturamento na compra dos salvadores imunizantes. Verdadeiramente colocando Deus acima de tudo e de todos, líderes mundiais despreocupados com as siglas do povo que lidera conseguiram pelo menos controlar a doença. Certamente nos ouvindo, talvez seja o caso de o grande Chico Xavier ter uma conversinha de pé de ouvido com o mito e a ele dar algumas sugestões sobre como conviver com o próximo, mesmo que não haja proximidade alguma.
Por exemplo, poderia explicar que, enquanto, seres mortais, são nossos os riscos ou benefícios da parede que construirmos. Temos de ser capazes de assumir a dor que causarmos ou usufruirmos da paz que promovermos. A escolha é de cada um. As consequências também. Não podemos esquecer da prestação de contas com Papai do Céu e com os eleitores menos subservientes (felizmente a maioria). Aparentemente benevolentes e pacíficos, tanto um quanto outro serão justos, imparciais e “incomparáveis” no dia do juízo final.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978