Presidente Jair Messias Bolsonaro, por que lhe causa tanta irritação o monitoramento da imprensa e da sociedade que não vive sob sua cartilha? Qual a razão da ira ao ser cobrado por compras e gastos estranhos? O senhor é um homem público, ordenador de despesas e deve, sim, satisfações a quem o elegeu, seja por vontade própria ou tentando fugir de uma armadilha para, involuntariamente, cair em outra. Como parlamentar experimentado, o senhor deve ter sido avisado que a imprensa e o eleitorado têm essa obrigação. Podem exagerar, às vezes até com alguma picardia, mas não mentem como o senhor diz. Documentos e notas fiscais comprovam as denúncias.
Capitão Bolsonaro, não basta ter carisma, conhecimento militar ou diplomas variados. A antiga expressão quem não tem competência não se estabelece é cada vez mais atual. Ser competente é condição sine qua non para aqueles que optam por cargos como o seu. E isso ainda não é suficiente. Tem de ser tolerante, dar gargalhadas quando ganha e se recolher passivamente quando perde. Faz parte do jogo. Jornalista antigo na cobertura política e que, por isso mesmo, não aceita sua sugestão de ir à PQP, cansei de vê-lo, da tribuna da Câmara dos Deputados, xingando e acusando ex-presidentes da República de omissão, de ladroagem (com eufemismos, é claro), de peculato e de gastos excessivos. O senhor estava no seu papel. E agora quer tratamento diferenciado? É uma questão de isonomia.
Estranho, para não dizer cômico, é o rebanho bolsonarista rotular de vermelha a mesma imprensa que a turba elogiava quando ela fazia cobranças idênticas a José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, Luiz Inácio, Dilma Rousseff e Michel Temer. Diriam os seguidores do presidente que os tempos eram outros. Realmente eram. E, por mais que tivesse restrições à maioria desses presidentes, como alguns deixaram saudades. Pelo menos a imprensa e o povo não tinham medo de expor publicamente o contraditório, direito constitucional e princípio básico do processo democrático.
Está escrito em qualquer livro infantil ou de contos eróticos que ocupar a Presidência da República gera bônus e ônus. O lado bom é que o atual ocupante do Planalto faz com maestria: falar mal e ameaçar quem não o segue, reunir artistas sem público em churrascarias apenas para receber apoio e garantir plateia para xingamentos chulos, convocar manifestações favoráveis e disparar, com ajuda de serviçais, fake news covardes contra supostos adversários. Pior que isso é se unir a grupos políticos que o senhor, desde o Parlamento à campanha, denomina de espúrios. O que mudou de lá para cá?
O ruim são as críticas, normais a todo governante em qualquer lugar do mundo. Não esqueçamos que recentemente Donald Trump foi expulso da Casa Branca porque não as suportou. Também acho um saco ser cobrado por qualquer razão. Para evitar, ajo com correção, educação, tolerância e invariavelmente sigo os ditames da lei. Aprendi a não fazer com os outros o que não quero que façam comigo. Em síntese, presidente Jair Bolsonaro, quem fala, escreve, manda dizer ou diz o que quer tem de saber ouvir e ler o que não quer.
Será que é invenção da Associação Contas Abertas a informação de que, na comparação com 2019, o Executivo Federal gastou em 2020 72,9% a mais em leite condensado? É mentira que essa despesa chegou a R$ 18,5 milhões? Foram esses dados que geraram as matérias odiadas pelo presidente e seus seguidores. Do que o governo tem medo? Não sou do ramo, mas tenham certeza de que adoraria ter direito somente ao bônus do cargo político de maior relevância na República Federativa do Brasil.
Claro que todo mingau tem seu dia de araruta. Quando chega, o do presidente é esse: ser criticado quando erra, cobrado quando exagera e emparedado quando não consegue acertar. Quem pagou a despesa do convescote na churrascaria com os artistas sem mídia? Esta foi a pergunta que faltou. De resto é lamentar mais esse desvario presidencial, torcer por dias ou mandatos melhores e rir – rir muito – com o jornalista José Simão, que acaba de criar novo slogan para o governo: “Brasil acima de todos! Leite condensado em cima de tudo!”. Como diz um outro velho companheiro de redação: vivemos em um amargo docinho de país.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978