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Aceita a urna, capitão

Quem quer todas as cédulas, fica num voto só

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Armando Cardoso - Especial para Notibras

Se não tivesse vivido bem de perto a consolidação do Direct Recording Electronic (DRE), também conhecido como urna eletrônica, talvez estivesse hoje questionando a vitória de Jair Bolsonaro sobre Fernando Haddad na eleição presidencial de novembro de 2018. Não acreditasse tanto na lisura do processo brasileiro de votação, estaria escrevendo sobre eventuais fraudes no pleito geral daquele ano, vencido com relativa tranquilidade pelo capitão, que, em nenhum momento, ameaçou a Justiça Eleitoral com demandas judiciais, tampouco cobrou auditagem de seus honestos 57.796.986 votos (55,13% dos votos válidos). Candidamente derrotado, Haddad, considerado poste por expressiva maioria de eleitores, jamais creditou a insuficiência de sufrágios a possíveis erros do sistema, falhas do equipamento ou desvios de conduta de algum mesário ou servidor eleitoral.

Republicana e democraticamente, o candidato do Partido dos Trabalhadores perdeu porque teve menos votos do que seu então obscuro oponente. Não é demais lembrar que, sem entrar no mérito, o país vivia um período de rompimento emocional com a legenda que há cerca de 15 anos dominava o Executivo federal. Hoje, o inverso da moeda é verdadeiro. A esperança virou decepção e já custou ao país uma pandemia sem freios e mais de 14 milhões de pessoas atingidas pela Covid-19. Em sua última live para apreciadores de uma verborragia ortodoxa e ultrapassada, o presidente da República voltou a discorrer sobre um tema que o amedronta desde que o negacionismo de sua administração se transformou em algo próximo de 370 mil cadáveres: a falta de votos.

O medo virou pavor depois que o Supremo Tribunal Federal autorizou a participação de Luiz Inácio no próximo pleito presidencial. A partir daí, não acabou apenas o sono de Jair Messias, mas também o sonho de disputar a reeleição contra um adversário sem carisma e, perdão pela sinceridade, sem eleitor. O pesadelo antecipado da derrota passou a ter nome, sobrenome e cacife. Sem Donald Trump como alento, a repetição da auditagem surgiu como tábua de salvação. Em síntese, a necessidade da desculpa retornou ao cardápio do Palácio do Planalto como entrada, prato principal e sobremesa. Tanto que, na última live, o capitão afirmou que reconheceria uma “eventual” vitória de Lula à Presidência “se fosse pelo voto direto, pelo voto auditável”. Para justificar o medo, é um assunto que não se esgota.

Conforme o mandatário, só Deus para tirá-lo da cadeira presidencial. Difícil, pois Deus não vota. Por isso, é complicado entender a queixa, na medida em que direto o voto sempre foi e auditá-lo só para atendê-lo é inimaginável. Parece fuga de menino rebelde que não quer apanhar, mas é o presidente tentando se defender do óbvio. Relembrando Haddad em 2018, o candidato petista não questionou o sistema eleitoral. Ele tinha – e tem – consciência de que não há hipótese de fraudar eleições na urna eletrônica sem a conivência da Justiça Eleitoral e dos candidatos, por meio de conluio entre seus fiscais e os mesários. Igualmente certo disso, qual a razão para Bolsonaro querer agora, há um ano e meio das eleições, colocar a carroça à frente dos bois?

Antecipar questionamentos sobre a derrota é o mesmo que duvidar do trio de arbitragem seis meses antes de anunciados os finalistas do campeonato ou exigir o VAR para avaliar a lisura de um gol a favor. Reavivando a memória da meia dúzia de defensores da impressão do sufrágio, concluída a eleição, a urna produz uma tabulação sobre os votos. Os dados são armazenados em um componente de memória removível e com uma cópia impressa. Portanto, desnecessária a auditagem. Especialistas em informática alegam que a urna é um veículo fácil de fraudes. Alegam, mas jamais comprovaram. Como todo gesto repetitivo tem respostas continuadas, não é demais relembrar que o Tribunal Superior Eleitoral tem total controle do projeto. Didaticamente, uma máquina não é utilizada sem autorização prévia da Justiça Eleitoral.

Também vale reiterar que, além da chancela de servidores do TSE, são realizados testes públicos e regulares de segurança, sempre com participação de técnicos remunerados pelos partidos e supostamente com expertise suficiente para dizer aos patrões que eles malham em ferro frio. Como dado comprovador da confiança no processo, já foram contabilizadas 200 mil tentativas por segundo de invasão da urna eletrônica. Perderam tempo. Se nada acharam, obviamente nada há que ser questionado. Esta semana, o TSE anunciou a compra de 176 mil novas urnas para as eleições de 2022. Essa nova remessa substituirá as máquinas utilizadas desde 2009 e que estão obsoletas.

De modo a garantir a segurança dos equipamentos, a única recomendação de Giuseppe Janino, secretário de TI do tribunal, é que as empresas mantenham o nível de excelência (qualidade e confiabilidade) dos equipamentos. Impressora para acoplar às máquinas é coisa do passado. O jogo deve ser jogado nas quatro linhas. Ganha quem se apresentar melhor, mentir e ameaçar menos e propor governar para todos, independentemente de cores partidárias. Por enquanto, em lugar de projetos concluídos (?) e propostas futuras, apenas a batalha pelo voto impresso e o anúncio de uma possível quinta cirurgia por causa do atentado, ainda uma plataforma de peso. Às vezes, a ausência de fatos novos acaba por indicar o caminho certo para cada um de nós. Pensemos nisso.

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