Meus filhos costumam me chamar de sisudo. Não que eles estejam completamente errados, mas considero certo exagero. Austero! Creio que condiz mais com a minha natureza ajuizada e, talvez, até comedida, ainda mais porque nunca fui de rompantes.
Mamãe, sim, era impetuosa em todos os sentidos. Se queria algo, ninguém a impedia. E ai de quem tentasse discórdia! A zanga era implacável e não perdoava nem mesmo o Jorginho, meu irmão caçula. Quanto a mim, soube desde cedo que molecagem era tratada com chineladas certeiras da minha velha.
Meu pai, quase o inverso, a não ser quando se arriscava a ir ver jogos do Botafogo. É que, mesmo naqueles idos, caso o Garrincha não estivesse com a sanha de arrebatar todos seus pobres marcadores, era provável que papai retornasse cabisbaixo para casa. No entanto, bastava que o Anjo das Pernas Tortas estivesse endiabrado, para que papai quisesse cantar de galo. Que nada! Não tardava, minha mãe colocava ordem no galinheiro.
Digo-lhe, então, que sisudo é demais. Austero! Melhor, sensato e ponderado, com pitadas de circunspecto e, de vez em quando, pouco rabugento. Também não é para menos, pois meus herdeiros, todos criados e donos das próprias vidas, ainda assim, querem me controlar. Implicam que eu tenha cá minhas manias, que nem são muitas. Nada além de duas ou três, que resolveram se juntar às que acumulo ao longo de décadas.
Aos 72 anos, percebo que cheguei a uma encruzilhada. Talvez seja algo inevitável ou, pode ser, que muitos nem se dão conta quando cá estão. O que sei é que não dá para continuar ouvindo que sou sisudo, quando a única coisa que desejo é ir para o parque de Águas Claras e soprar bolhas de sabão.
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*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.