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Silêncio dos mortos

Quem sentirá saudades do governo de Jair Bolsonaro?

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo

Termômetro político de qualquer governante, as ruas têm dado o tom da escaldante temperatura popular com o governo e com o bolsonarismo. Os sinais evidentes desse cansaço já chegaram ao Congresso Nacional, ninho de muitas serpentes, mas principalmente local de homens espertos e que sabem quando é chegada a hora de arrumar a mala para cantar em poleiro diferente. A letargia oficial e a ausência de pautas capazes de conter o ímpeto do povo têm contribuído para a evidente mudança de comportamento de parlamentares de diferentes correntes ideológicas, a começar pela do presidente da República. Além das crescentes manifestações e da falta de credibilidade com as ações de controle da pandemia, a sensibilidade política começa a ser aguçada por fatos novos e que transcendem o oba oba dos palácios.

O barulho da oposição, a desarticulação do governo no Parlamento e o estranhamento dos corredores e bastidores do Ministério Público com o procurador-geral Augusto Aras são alguns dos acenos mais cristalinos na direção do desgaste político do mito. Quase obrigado pelo Supremo Tribunal federal e pelos pares, Aras aceitou abrir inquérito por prevaricação contra Bolsonaro por não mandar investigar o esquema de superfaturamento da vacina indiana Covaxin no Ministério da Saúde. No entanto, nada é tão emblemático e definitivo para o enfraquecimento da fraca base governista do que o eco dos gritos dos eleitores. É das ruas que surge o tempo e a forma como serão vividos os próximos dias, semanas e meses.

Parafraseando Ulysses Guimarães, o vice-líder do MDB na Câmara, Hildo Rocha (MA), disse recentemente, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, que os deputados federais “são muito sensíveis ao clamor popular”. Segundo ele, “o tambor da rua desperta o deputado”. É a mais pura verdade. Por mais que queiram, nenhum deputado ou senador têm hoje coragem de dizer que não teme a CPI da Covid, os protestos, o superpedido de impeachment, a representação contra o líder governista na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), ou as quase diárias denúncias contra a propalada honestidade do principal ocupante do Planalto do Planalto.

O silêncio constrangedor já incomoda os mais sensatos. É o caso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para quem o tal do superpedido não pode ser banalizado. Conforme Pacheco, cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), trabalhar com responsabilidade e analisar o documento “à luz de muita técnica e responsabilidade”. No português de Brasília, não dá mais para permanecer sentado sobre a vontade do povo. O governo patina nas reformas administrativa e tributária, ambas anunciadas com foguetórios na campanha presidencial como pilares de um Brasil novo, sério e retumbante. Não passaram de um traque.

Por enquanto, muito barulho, muito desgaste e mais do mesmo nas teses de defesa do capitão. Falam, discutem, produzem relatórios, mas nada além do papel. Até o voto impresso, tema da cabeceira de 11 entre dez bolsonaristas, subiu e não pensa descer do telhado. Enquanto isso, a economia sucumbe, os empresários perdem a paciência, os provedores perdem empregos, os favorecidos morrem de fome e o mito descansa na desgraça alheia. Mais importante do que qualquer discurso de feira pública, a retomada da economia está encaixotada nos porões do Planalto. Para total descontrole oficial, há um ano e quatro meses a pandemia não dá trégua.

A teoria anticientífica de imunidade de rebanho não se sustentou e acabou gerando bem mais do que meio milhão de vidas, o que não dá para se esconder em nenhuma das gavetas palacianas. Em decorrência desse absurdo quantitativo de óbitos, sou obrigado a concordar com a afirmação de meus seis ou sete leitores, para os quais somente os donos de funerárias sentirão saudades do governo Bolsonaro. Os que continuarem vivos, é claro.

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