Um país de 212 milhões de habitantes não pode ser avaliado pela má conduta de uma ou duas pessoas. Partindo do mesmo princípio, a grandeza da pátria deve ser maior do que a pequenez de um ou de outro. Sem a pretensão de julgar semelhantes, não fujo, porém, da análise sobre condutas, gestos, frases ou feitos de pessoas, principalmente se elas são públicas. Posso não concordar com os brasileiros que optam pelo quanto pior melhor ou que torcem contra a seleção de futebol apenas pelo fato de discordarem do governante ou de um jogador que preferem não chamar de seus. Da mesma forma, não faço juízo de valor a respeito daqueles que, em uma mesma perquiriação[CC1] , opinam perfumada ou acidamente a respeito de um mito ou de um ídolo.
Nesse fim de semana, após o jogador Neymar Junor ficar “bravo”, criticar e destratar brasileiros que supostamente teriam torcido pela Argentina na final da Copa América, o ex-jogador e comentarista Walter Casagrande Jr. detonou o camisa 10 da Seleção Brasileira. Em um programa de TV, Casagrande comparou o comportamento do atleta com o do presidente Jair Bolsonaro e disse que o jogador não sabe o que é ser patriota. “Eu nunca vi o Neymar ficar bravo com toda a crise que a gente vive no Brasil. O problema do Neymar é torcer para a Argentina? Aí ele se acha um patriota, um brasileiro? Ele acha que ser brasileiro é isso? A definição de brasileiro do Neymar é não gostar quando alguém fala que torce pela Argentina?”
Não podemos definir como inveja o rompante do Casão, que também vestiu a camisa canarinho e representou as duas maiores torcidas do país: Flamengo e Corinthians. O cerne da questão não é patriótico, mas puramente de antipatia e de descrédito. A maioria não acredita em nada do que dizem o presidente da República e o jogador nativo de maior evidência no momento. Ambos se acham no direito de dizer o que pensam e querem, mas não aceitam o contraditório. Em outras palavras, se acham acima do bem e do mal. Como disse Casagrande, estamos com problemas “até a testa, pra cima da cabeça”. No entanto, a falta de vacinas e mais de meio milhão de mortos parece algo menor. Eles não ficam bravos com isso.
Também não se incomodam com as pessoas que morrem em decorrência da incompetência oficial, tampouco com suspeitas de corrupção na compra de vacinas que, se tivessem sido adquiridas no tempo certo, teriam salvo multidões de brasileiros. Acredito que Neymar Junior nem quer saber disso. Então, porque razão ele se acha no direito de questionar o sagrado e democrático direito de alguém questioná-lo ou ao governo que ele defende? Nem ídolo de todos ele é. Aliás, mesmo sendo um bom jogador, é ídolo de poucos. Exatamente como seu ídolo, que não está mais conseguindo ser idolatrado nem mesmo por aqueles que sofrem do mal do ufanismo barato.
O fato é que o mundo já se convenceu de que Neymar Junior é apenas um bom jogador, daqueles que transformaram em pesadelo o sonho de se tornar o número um do mundo. Da mesma forma, o capitão brasileiro jamais será uma unanimidade, um craque inquestionável. Tudo indica que sequer será reeleito. Como mente sobre fraudes na urna eletrônica, sempre tentará enganar o árbitro, o adversário e a torcida com tombos teatrais, gritos guturais e ameaças infernais. Não julgo o ser humano, mas a responsabilidade de ídolos ou mitos. Além de temerário, é pavoroso falsear quedas, gritos de dor, xingamentos e ameaças de golpe. Os fanáticos e desprovidos de tutano os seguem facilmente. Por tudo isso, não é demais afirmar que se há alguém nesse país em condição de ficar bravo sou eu, somos nós. E ponto.