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Racionais MC’s celebra suas três décadas com turnê

Foto/Divulgaçaão

O grupo Racionais MC’s, mais importante nome do rap nacional, vai fazer uma turnê pelo Brasil a partir de junho. Serão oito shows em capitais, sendo o primeiro em Brasília, dia 8 de junho, no Ginásio Nilson Nelson, e o último em São Paulo, dia 12 de outubro, no Credicard Hall. Será a primeira vez que o grupo vai contar com a parceria de uma grande empresa de shows para uma gira, a Time For Fun (T4F), que assinará a produção com a Boogie Naipe, empresa de Mano Brown. Há um motivo para a reunião: os Racionais em sua formação original, Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue, chegaram aos 30 anos de estrada. Ou 31, para ser mais exato, a contar desde 1988, ano de formação do grupo.

Ao mesmo tempo, dois filmes sobre a história dos rappers estão na esteira. Um deles se trata de um documentário pronto, dirigido por Juliana Vicente, que já trabalhou com o grupo em outras ocasiões. O outro é uma ficção, com atores vivendo a saga dos Racionais, também sem data de estreia.

Um show que deve servir de base para a turnê é a apresentação que eles fizeram em 2018, no mesmo Credicard Hall, considerado um dos melhores do ano. O quarteto será acompanhado por uma banda, e não apenas por bases programadas. Serão cerca de 12 músicos, com naipe de três metais, teclados, percussão generosa, bateria, baixo e duas guitarras. “E os músicos cresceram ouvindo Racionais”, diz Edi Rock, que define assim a reunião entre os quatro: “Racionais é como uma seleção brasileira em época de Copa do Mundo. Os jogadores saem de seus times para jogar o Mundial”. A pergunta de sempre é inevitável: por que tanto tempo entre um acontecimento e outro envolvendo o grupo? “Os Racionais são uma incógnita. Podemos fazer algo da noite para o dia.”

Mais de 30 anos depois, o mundo que os recebe também é outro e o rap, com a aparição de uma cena de expoentes como Baco Exu do Blues, Rincon Sapiência, Rashid e Don L, quase uma geração depois de Emicida e Criolo, tem novas camadas de som e narrativas diferentes. “O rap de hoje é o rap do começo. A gente também queria se divertir.” E o mundo? Do clássico álbum Sobrevivendo no Inferno até hoje foram 22 anos. Ainda fariam sentido letras como “Aqui estou, mais um dia / Sob o olhar sanguinário do vigia / Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK / Metralhadora alemã ou de Israel / Estraçalha ladrão que nem papel / Na muralha, em pé, mais um cidadão José / Servindo o Estado, um PM bom / Passa fome, metido a Charles Bronson”? “O que falamos lá é atual e tende a aumentar. Comemoram o Golpe de 64 e as pessoas saindo na mão (brigando por isso) na Paulista. Ao mesmo tempo que uma ferramenta que te faz pensar e que pode ter uso medicinal, a maconha, é criminalizada, o porte da ferramenta que mata, a arma, é estimulado.”

A abordagem às mulheres é outro assunto delicado no rap. Três décadas depois, as letras que poderiam ser interpretadas como machistas também tiveram de ser repensadas. Edi Rock se lembra daquelas que ele canta, dizendo que não pode mais seguir com versos como este, de Qual Mentira Vou Acreditar?: “Que mina cabulosa olha só que conversa / que tinha bronca de neguinho de salão (não) / que a maioria é maloqueiro e ladrão (aí não) / aí não mano! Foi por pouco mano / eu já tava pensando em capotar no soco…”. O ‘capotar no soco’ seria o partir para a violência física. “Nossas letras não podem incentivar a violência, diminuir a mulher.” Estilo Cachorro, do álbum Nada como Um Dia Após o Outro Dia, de 2002, também tem uma parte reavaliada. A letra narra a vida de um tipo Don Juan, um personagem que “gosta de viver, (e viajar) / sem medo de morrer, sem medo de arriscar”. A certa altura, o rap diz: “Segunda, a Patricia / Terça, a Marcela / Quarta, a Raissa / Quinta, a Daniela / Sexta, a Elisângela / Sábado, a Rosangela / E domingo? É matinê, 16 o nome é Angela”. “Não dá”, diz Edi Rock. “A menina tem 16 anos.” Apesar de não ter a intenção de pregar o comportamento do personagem principal, mas denunciá-lo, a pedofilia traz um peso enorme só por ser mencionada.

“Os Racionais são como a Bíblia”, diz Rock. “Cada um interpreta como quer, como é conveniente.” O repórter comenta que se surpreendeu em uma tribo guarani-caiová em Mato Grosso do Sul, onde muitos jovens indígenas caminham pelas ruas de terra com camisas dos Racionais, ouvindo o rap deles em celulares. “Eu aprendi que podia protestar por alguma coisa depois que ouvi a música deles”, disse Kevin, um jovem da tribo. “Ao mesmo tempo”, lembra Rock, “os caras do Comando Vermelho, no Rio, usavam camisas dos Racionais. São fãs, e você vai dizer o quê? A música não tem fronteiras”.

Ice Blue chega a tempo para a entrevista, marcada com os dois em um estúdio da Vila Clementino. A conversa é sobre as subidas e descidas do rap, coincidentemente ou não, sincronizadas com a dinâmica de momentos políticos sociais. Em fases de turbulências agudas, como quando o grupo surgiu, no início dos anos 90, em meio à era Collor, o rap chegou com uma força tremenda, como se fosse o grito necessário. Depois, em um momento de estabilidade, no início dos 2000, os próprios Racionais ficaram menos evidentes para o surgimento de um rap de pista, menos duro e engajado. A partir do agravamento de questões sociais e do recrudescimento do preconceito, os Racionais, como se legitimados pelo clamor, emergem em uma turnê nacional. Espere então para saber o que diz Ice Blue: “A causa existe, mas não coloque os Racionais como heróis. Você quer a gente como guerreiro e eu pergunto: e você? Você vai estar aonde? A causa é de todos, negros, favelados, todos os interessados por ela”. Como ele sente o Brasil 30 anos depois de seu grupo começar a falar para um público que transbordou das periferias para chegar a bairros nobres? “Os números mostram que os problemas só aumentaram. O que mudou foi a internet. Hoje não se pode esconder mais nada, não tem mais como fazer escondido”, ele diz, sobre episódios de abusos de autoridade nas favelas, por exemplo.

O fato de dois Racionais darem entrevista a um jornal seria sinal de uma mudança de postura? Nem tanto. Edi Rock conta que os quatro, juntos, seguem não falando. Mano Brown e KL Jay preferiram não estar presentes. E Ice Blue levanta outra questão. Mais xiita seria a marcação cerrada por parte de fãs que não admitem que os integrantes façam qualquer som que traga uma novidade, que sinalize outro caminho diferente da linha dos Racionais. As cobranças, muitas vezes, chegam em seus próprios celulares. “Esse fã quer que a gente esteja congelado nos anos 1990. E nós vemos que alguns DJs se congelaram lá. Algumas pessoas não querem permitir que o grupo se atualize.”

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