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Zé Dadá, o invencível

Raimundo, atrevido, deixa briga com nariz quebrado

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Anete Oliveira Almeida

O homem, da sacada da casa de dois andares, ali em Sobradinho, observava o neto, não mais de 10 anos, entretido com joguinhos no aparelho celular. Do nada, quase sem querer, começou a resmungar com seus botões, até que o moleque desviou os olhos da telinha e os manteve firme aos do avô. Apesar de menino, sabia que daquela boca saíam histórias interessantes. Na verdade, quase sempre. Por isso, tratou logo de aprumar as orelhas para não perder uma palavra que fosse.

Zé Dadá era afamado em briga. Não perdia uma. Era murro daqui, chute dali, cabeçada acolá, sobrava rabo de arraia pra todo lado. Pobre adversário, se fosse esperto, caía logo para não apanhar mais. Um olho roxo, um dente quebrado, uma costela partida, tudo era troféu de guerra, mesmo que perdida. Afinal, com Zé Dadá, ninguém podia.

De boca em boca, os feitos do brigão logo chegaram aos ouvidos de toda a Caxias, terra de Gonçalves Dias. Não demorou, até a polícia evitava cruzar o caminho do Zé Dadá. Isso porque o povo não respeita policial que toma tapa na cara.

A despeito de tamanho temor, havia um rapazola franzino chamado Raimundo, que dizia não tremer que nem vara verde como tantos ali. Ele levantou o braço e, com a voz mais apagada do que a própria covardia, disse: “Se ninguém tem coragem de enfrentar o Zé Dadá, eu enfrento!” Pra quê? Isso foi cair justamente nos ouvidos do Zé Dadá, que logo quis saber quem era o tal atrevido.

A notícia correu toda a cidade, especialmente entre os alunos do Colégio Caxiense, onde o Raimundo penava para passar em matemática. Diante de tantas contas complicadas, chegou a desejar que a luta contra o brigão se desse o mais rápido possível. Antes a cabeça rachada que quebrar a cuca com tantos números.

A luta foi marcada. Dali a três dias, lá no Largo de Santa Luzia, que ficava atrás do Caxiense. Em vez de futebol, o lugar seria palco da batalha mais esperada desde que Lampião passou pelo município, fato este que jamais aconteceu. Entre lendas e verdades, o tempo voou, especialmente para o pequeno Raimundo, que já pensava em se escafeder pelo mato, tamanho seu arrependimento por sua irracional impulsividade. Por que diacho ele havia erguido o braço, quando ninguém mais esperava por nada além de um ato de contida covardia?

O local estava abarrotado, saindo gente pelo ladrão. Até o padre, dizem, teria feito sua fezinha. Obviamente que apostara toda a oferenda do mês no Zé Dadá. Afinal, não dá para brincar com o dinheiro divino sem ter certeza do resultado.

De um lado, surgiu o grande Zé Dadá. Perto de 1,80 m, quase 80 kg de puro músculo. Já sem camisa, desfilou no círculo de entusiasmada plateia. Ficou ali por quase cinco minutos à espera do desafiante, que ainda pensava em fugir. No entanto, acabou sendo empurrado para o meio da arena.

Raimundo suava frio, apesar dos quase 40 graus. As mãos tremiam, enquanto os dedos tentavam desabotoar a camisa branquinha. Ele não queria sujá-la. Se chegasse em casa com a roupa encardida, teria que enfrentar a fúria de sua mãe. Tomou coragem, apanharia do Zé Dadá, mas manteria o couro livre do açoite certeiro da genitora.

Apesar de franco favorito, Zé Dadá não estava acostumado a enfrentar um adversário tão atrevido. Como é que aquele magricela teve coragem de desafiá-lo? Seria ele um lutador experiente? Saberia dar golpes ainda desconhecidos pelo campeão dos campeões de Caxias? Ou seria apenas mais um pobre coitado morto de fome? Olha essas costelas finas que nem gravetos secos. Seja como for, tais dúvidas pairavam pela mente ligeira de Zé Dadá.

O público gritava. Todos queriam ver o sangue jorrar longe. Os oponentes se estudavam, a cautela tomava cada atitude daqueles dois, até que, num gesto ligeiro como bote de louva-deus, Zé Dadá acertou em cheio a fuça do pobre Raimundo. Caiu de bunda! Pensou em revidar, mas a prudência falou mais alto. Zé Dadá partiu para cima com o intuito de dar cabo do adversário, mas logo surgiu a turma do deixa disso, que apartou a contenda. Foi a deixa para que Raimundo abrisse uma brecha no meio da multidão e se evadisse do local.

O derrotado ficou três dias com o nariz inchado. Temendo que sua mãe descobrisse a surra que havia levado, o rapaz passou todo esse tempo evitando encará-la. Não queria apanhar outra vez. Conseguiu, não se sabe como. Talvez a mãe já soubesse de tudo e, piedosa como ela só, não quis causar mais sofrimento ao filho. Nenhuma palavra sobre o acontecido.

Após quase uma semana da surra em praça pública, Raimundo desejou ser amigo do seu algoz. Encontrou o grandalhão, que repousava debaixo de uma mangueira. Trocaram poucas palavras, o suficiente para que as coisas se acertassem. Satisfeito com a audácia do adversário, o campeão aceitou quase que de pronto tal proposta. Tornaram-se amigos ou, ao menos, mantiveram uma diplomática relação de respeito mútuo pelos anos seguintes.

O avô, assim que terminou a história, percebeu que o neto, totalmente encantado, o encarava. Os dois sorriram, enquanto o aparelho celular parecia ter sido esquecido no canto.

– Vô, que coincidência!

– O quê?

– O Raimundo tem o mesmo nome do senhor.

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