A noite em Brasília traz uma rotina peculiar nesta época do ano: tempestades intensas que pintam o céu com luz e som. Enquanto o Sol se despede em um horizonte que parece infinito, as nuvens densas e carregadas assumem o protagonismo, anunciando o espetáculo natural que está por vir.
Tudo começa com um silêncio quase reverente. O ar está parado, como se a cidade prendesse a respiração. Então, o primeiro lampejo cruza o céu, iluminando por um instante as árvores, os prédios e o concreto que definem a paisagem urbana. Em seguida, o trovão ecoa, profundo e poderoso, reverberando pelas quadras e superquadras, acordando até mesmo os mais distraídos.
Para muitos, é um momento de introspecção. Dentro das casas, observa-se o brilho dos relâmpagos projetado nas paredes, como se fossem pinturas efêmeras de um artista invisível. Janelas são fechadas com pressa, cortinas são puxadas, e, ainda assim, há sempre aqueles que não resistem à tentação de espiar o céu ameaçador.
Os trovões, entretanto, não são apenas um fenômeno natural; são também um lembrete do poder da natureza, que insiste em mostrar que, apesar de todas as construções humanas, é ela quem dita as regras. Além disso, trazem consigo memórias e sentimentos. Para uns, as tempestades evocam nostalgia, lembrando de noites passadas em família, contando histórias enquanto a chuva tamborilava no telhado. Para outros, são um chamado à reflexão, um momento para pausar e simplesmente ouvir.
Nas ruas, o cenário é outro. O asfalto molhado reflete as luzes dos postes, criando uma ilusão de rios dourados que serpentam pela cidade. Motoristas enfrentam as vias com cuidado redobrado, enquanto os pedestres apressam o passo, protegendo-se como podem sob guarda-chuvas que parecem insignificantes diante da intensidade da chuva.
E então, como que por encanto, a tempestade passa. O silêncio retorna, mas agora é um silêncio diferente, pontuado pelo gotejar da água da chuva nas árvores e pelo aroma único da terra molhada. O céu, antes carregado, se abre timidamente, revelando estrelas que insistem em brilhar entre as nuvens remanescentes. E Brasília dorme novamente, sob o manto renovado da noite.
Os brasilienses aprenderam que as tempestades noturnas são um lembrete de que, em meio à pressa e ao concreto, a natureza ainda tem seu lugar, sua voz e sua majestade. São, talvez, a forma que o universo encontrou de nos dizer para desacelerar, admirar e respeitar o espetáculo à nossa volta.
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Carolina Paiva é Editora do Quadradinho em Foco