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Transtorno Borderline

Raissa abre o jogo para um problema sério

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Autor/Imagem:
Carolina Paiva, Edição

Um episódio no reality show A Fazenda, da Record, trouxe à tona um assunto que merece a atenção de todos. Trata-se do Transtorno Borderline. A repercussão veio a partir das declarações de Raissa Barbosa, que já falou abertamente sobre o problema de saúde. A doença, assim como seu diagnóstico, sintomas e tratamento, são pouco conhecidos pelo público.

Raissa revelou que foi diagnosticada com o Transtorno de Personalidade Borderline em abril de 2020, após procurar ajuda médica em outubro de 2019: “Eu só conheci [o transtorno] porque eu descobri que eu tinha”.

“No começo eu não acreditei que tivesse isso porque eu nunca tinha ouvido falar, e achei que era algo grave”, comentou a influenciadora em alguns stories publicados no Instagram. Ela destacou que é comum que as pessoas não saibam que possuem a doença porque não buscam ajuda médica. “Não tenham preconceito”, ressaltou, à época.

O diagnóstico tardio de Raissa, apenas na fase adulta, não é incomum. O mesmo aconteceu com a estudante Mirian Reis, de 23 anos, que descobriu que possui o Transtorno Borderline no começo de 2020, em meio à pandemia do novo coronavírus.

“Não foi uma surpresa porque eu já sabia que tinha alguma coisa, mas não sabia o que era. Desde a adolescência, infância tive traumas que podem parecer bobos, mas foram bem importantes”, lembra ela.

Mirian relata que chegou a ter atitudes autodestrutivas na adolescência, com problemas para lidar com a rejeição em relacionamentos, e destaca que isso lhe causava “muito sofrimento”, mesmo que algumas pessoas considerassem suas reações como “drama” ou “algo bobo”.

“A percepção do mundo é muito mais suave pra quem não tem [o transtorno], para quem tem é mais barulhento, intenso, dramático, vivemos a vida intensamente”, explica ela. A jovem chegou a buscar ajuda psiquiátrica diversas vezes, mas não conseguia um diagnóstico preciso com os profissionais, que falavam de “traumas, agressividade, depressão e ansiedade”.

Foi após um surto que ela decidiu buscar ajuda especializada, encontrando um psiquiatra que deu o diagnóstico. “Depois que recebi o diagnóstico correto, percebi que encaixava, tudo fazia mais sentido: o que eu fiz, passei…”, conta.

Atualmente iniciando o tratamento da doença, Mirian relata que decidiu acompanhar o programa A Fazenda depois de saber que uma das participantes tinha o Transtorno Borderline, mas ela considera que esse acompanhamento tem sido “muito difícil”.

“Eu vi alguns surtos dela e eles começaram a repercutir nas redes sociais. As pessoas chamando ela de ‘louca’, ‘surtada’, ‘desequilibrada’, palavras muito ruins. Aquilo começou a me dar gatilho, porque se estão xingando ela daquele jeito, estão xingando a mim também”, afirma a estudante, se referindo a comentários feitos após brigas e desentendimentos em que Raissa se envolveu no programa.

Ela destaca que quem possui o transtorno não é “louco” e pode “conviver em sociedade”, além de lembrar que os “surtos” de Raissa não são um “show” ou “invenção”. A jovem considera que muitos comentários envolvem uma “psicofobia”, ou seja, um medo ou preconceito devido a uma doença mental.

“Agora eu me agarrei à causa dela, de ela estar lá, sofrendo uma pressão. Eu sei que é um jogo, mas as pessoas não entendem que perseguir ela e atacar pelo transtorno é algo muito mais grave. Não deve ter um tratamento diferente, mas o mínimo é ter respeito”, defende Mirian.

Apesar dos comentários negativos, a jovem considera que a presença de Raissa também pode ser positiva. “Muita gente não conhece [o transtorno], e agora as pessoas podem ver como é, que isso existe. Está sendo positivo porque todos estão tendo esse contato, para estar entendendo, mas muita gente não está entendendo e ataca mesmo sim”, explica.

“Falam que ela [Raissa] não poderia participar por ter Borderline, mas eu bato na tecla de que temos que ser incluídos, não é porque tem isso que não podemos participar das coisas. Não podemos ser excluídos da sociedade. Podemos nos controlar, tendo uma vida como a dos outros, com acompanhamento, excluir as pessoas é fazer um retrocesso”, defende a jovem.

Leila Salomão Tardivo, professora de psicologia clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), explica que Transtorno Borderline é um tipo de transtorno de personalidade. Portanto, não pode ser chamado de “síndrome de Borderline”, uma classificação incorreta.

Ela explica que o transtorno se refere aos chamados “casos limites”, por isso o nome. Borderline, em inglês, pode significar tanto “fronteira” quanto “incerteza”. “Não é um tipo único, são pessoas com muita instabilidade emocional. É difícil diagnosticar porque pode parecer uma depressão, mas tem outros componentes”, destaca a professora.

“Borderline é um problema nas relações, se a pessoa fica perto [de alguém] fica mal, e se fica longe não suporta. Tem um problema no vínculo, é o mal do vínculo, há uma angústia de abandono, perda, e perto [quem tem o transtorno] fica muito destrutivo”, comenta ela.

A professora comenta que o transtorno é classificado como uma “neurose polissintomática”, o que significa que a doença se manifesta diversos sintomas diferentes, o que ela chama de “grande extensão”, e nem todos estarão presentes em todas as pessoas diagnosticadas.

Alguns sintomas do Transtorno Borderline podem até levar a diagnósticos errados, baseados apenas em um sintoma e não no quadro geral do paciente. É comum que ele seja diagnosticado com depressão, ansiedade ou bipolaridade, quando na verdade os elementos que geraram essa conclusão são manifestações do transtorno.

Uma confusão comum é associar o Transtorno Borderline ao Transtorno Bipolar. A diferença entre os dois é explicada pela professora: “A bipolaridade alterna momentos de depressão e de mania, ou agitação. Isso pode ocorrer com quem tem Borderline, mas não é o que o caracteriza”.

O principal sinal de que uma pessoa pode ter o transtorno é a dificuldade em estabelecer relações com o entorno e de formar uma identidade e personalidade próprias. Essas questões geram efeitos psicológicos, que por sua vez se manifestam em sintomas semelhantes ao de ansiedade, depressão e agressividade, além de fobias, obsessões e alternâncias rápidas de humor.

Em geral, os tipos de Borderline são divididos em graus. Quanto mais leve, mais fácil é o controle dos sintomas, mas quanto mais elevado, mais intensos os sintomas são. Nesses casos, o paciente pode ter comportamentos muito agressivos, autodestrutivos e até desenvolver vícios, como em substâncias químicas.

Como é o caso de outros transtornos de personalidade e doenças mentais, o diagnóstico deve ser feito sempre por um profissional, geralmente um psiquiatra. Havendo a suspeita do transtorno, o profissional deverá analisar os sintomas e as experiências do paciente.

Nesses casos, o grande perigo é que o paciente seja diagnosticado com uma das manifestações da doença, e não com o transtorno, que é a verdadeira causa. Entretanto, o transtorno já é conhecido pela ciência desde os anos 1940, o que diminui as chances de erro de diagnóstico.

Leila Salomão destaca que quanto mais cedo o transtorno é identificado, melhor. “Pensando até em adolescência, reconhecendo mais jovem fica mais fácil lidar”, explica ela. Os serviços de atendimento psicológico estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), nos chamados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Em São Paulo, o Hospital das Clínicas possui um ambulatório específico para diagnóstico do transtorno.

Como outros transtornos mentais, existem diversos fatores que podem levar ao desenvolvimento do Transtorno Borderline. A professora observa, porém, que nos últimos anos tem ocorrido um aumento do número de diagnósticos da doença.

Segundo ela, o aumento dos diagnósticos está ligado não apenas à busca maior de pessoas por atenção profissional, mas também a alguns fatores sociais: “Aumento do estresse, competição intensa entre as pessoas, mais violência e uma falta de valores, base”.

A professora explica que não há cura para o transtorno, mas que é possível controlá-lo. Esse controle envolve tanto a participação de um psiquiatra quanto de um psicólogo. Segundo ela, o psiquiatra receita medicamentos que controlam os sintomas exibidos pelo paciente, como ansiedade, enquanto o psicólogo realiza sessões de terapia para trabalhar com as causas do transtorno.

“O controle é mais fácil para quadros mais brandos, diagnosticadas mais precocemente. Falta uma coesão na identidade, a chamada identidade difusa, isso tem como controlar com um psicólogo”, explica.

Ela também destaca que é necessário, durante o tratamento, haver um apoio das pessoas do em torno do paciente: “O tratamento envolve integrar a personalidade, ajudar a pessoa a ser ela mesma, separada dos outros, e não se desesperar. Também envolve terapia familiar, ter um apoio”.

As chamadas “crises” de quem possui o transtorno podem se manifestar de diversos jeitos, mas em geral envolve variações rápidos de humor, e também episódios violentos, com intensidade variante.

A psicóloga observa que ambientes estressantes podem “facilitar as crises”, inclusive em cenários de “competição exacerbada” e convivência com outras pessoas agressivas. Em caso de crise, ela acha importante que os outros “não se desesperem”.

“Tem que procurar acalmar, mostrar presença, não julgar, criticar, e procurar ajudar. O ideal é dar presença, dar afeto, segurança”, comenta. Para isso, Leila considera ser importante que as pessoas do círculo social do paciente não tenham preconceitos.

“Existem preconceitos, estigmas, a própria pessoa se estigmatiza. Não se pode validar a violência, se a manifestação for essa, mas qualquer transtorno de personalidade tem que ser reconhecido pela pessoa e quem está ao redor, e ela não pode ser julgada pelo entorno”, observa a professora.

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