Marta Nobre
O bê-a-bá da corrupção que afastou Dilma Rousseff do Palácio do Planalto parece caminhar, com mais algumas letrinhas, para tirar o interino do Poder e devolver a cadeira à sua verdadeira dona.
O ranço que se vive é o mesmo. Vem da velha Arena que abrigou Marco Maciel, que criou Romero Jucá, que foi batizado por José Sarney, que foi apadrinhado pelo regime militar, que deixou Renan Calheiros nadar de braçada e que permitiu a Michel Temer chegar aonde chegou.
Roubava-se como se rouba hoje. Os próprios generais que deram plantão na Praça dos Três Poderes por longo tempo não podem ser inocentados. A diferença é que, naquela época, a censura imperava.
O quadro não é nada animador. Menos de dois meses após ter sentado na cadeira mais alta do Planalto, Michel Temer segue dando um trabalho considerável a seus marqueteiros. Não por suas ideias políticas, estratégias econômicas ou visão de sociedade de País com que pretende firmar pé na presidência. Seu problema mais aberrante é o PMDB.
Em um giro por arquivos que narram a ascensão do PT ao poder, não é difícil encontrar o apoio do fiel PMDB nessa trajetória. Apoio que veio em nome de cargos-chaves no Estado, para associar a sigla a empresários e alimentar o caixa e a clientela para garantir sua reprodução eleitoral. A lógica é contrariada. O pudor desaparece e morre como corpo ferido em sangria.
Renascido das cinzas, o grupo de Temer recorreu a uma fórmula parecida com aquela empregada pelo próprio PT para se eternizar no poder, mesmo que de forma siamesa. Quem afirma? O desenvolvimento da Operação Lava-Jato, que traz a público um número cada vez maior de conchavos e negociatas tão particulares ao PMDB.
É um caso clássico onde o aluno, rejeitado como professor aprendeu com o mestre, mas não obteve sucesso. É como se tivesse chegado a vez do mestre se dar mal. A História sugere isso.
Basta apenas fazer uma pesquisa rápida na internet para descobrir que da última vez que um parlamentar peemedebista ascendeu ao poder, as coisas desandaram. Com Sarney no Planalto, por exemplo, entre 1985 e 1990, o PMDB mostrou-se um desastre total. Dominou o Congresso que se intitulou Constituinte, patrocinou pacotes econômicos que provocaram hiperinflação, desemprego em massa e o desmonte de serviços públicos já precários.
Com a popularidade no fundo de um poço, Sarney saiu do Planalto sob um coro de vaias. Outra vergonha foi vivida por Ulysses Guimarães. O líder histórico da legenda candidatou-se à Presidência e obteve apenas 4% dos votos, amargando um vexatório sétimo lugar.
Três anos depois, o partido derrotado nas urnas voltava ao Planalto. Agora com Itamar Franco, o senador do partido que foi vice do impichado Fernando Collor. A partir daí, o PMDB figurou no papel de coadjuvante até que Temer, com a manobra para afastar Dilma, ascendeu ao poder.
Mas os tempos são outros. Com a internet fervilhante, o Brasil mostra ser vulnerável. E a coleção de feridas que Michel Temer traz consigo pode acentuar suas fraquezas.
O flanco mais exposto do presidente-tampão é o seu perfil pessoal, do qual nenhuma expressão facial ou linguagem corporal brota com naturalidade. E isso, para um político da era YouTube, sai caro. Até hoje, por exemplo, internautas se deliciam com um vídeo de seu discurso inaugural.
Temer discursa. Tudo vai bem (nas palavras dele) até que, num dado momento, ele passa a tossir descontroladamente. O que para alguns seria um mero acesso de tosse, para muitos virou um meme do presidente sendo possuído por forças malignas. Um vídeo, claro, devidamente visualizado milhares de vezes.
É de supor que, ao aparecer em pronunciamentos, Temer tenha decidido correr um risco deliberado: mostrar destemor perante uma plateia pouco inclinada a acreditar em suas propostas. Mas, num tempo em que o brasileiro anseia por sinais mais claros de musculatura verbal de um político, suas propostas parecem não surtir o efeito desejado. A imagem dele não melhora e a do PMDB fica cada vez mais chamuscada.
Temer não é dos políticos mais populares. O desfecho sobre o futuro de Dilma é uma incógnita.
Até que se conclua o processo de impeachment o presidente-tampão terá a seu favor um país dividido, um suposto reaquecimento da economia e uma taxa de desemprego que parece estar estabilizada.
Jogando contra, Temer e seu grupo têm como adversário Sérgio Machado e suas delações. É como se José Eduardo Cardozo não precisasse de provas para inocentar sua cliente.