Com a chegada do outono, estação menos chuvosa e mais fresca, natural que os coadjuvantes do pleito presidencial saiam do armário e mostrem as caras. É tempo de refletir, de agradecer e deixar cair as folhas secas e velhas. Outono é a estação do desapego, de soltar o que já não nos pertence e deixar para trás o que não faz bem a nossa alma. Gostem ou não nossos antagonistas, o momento é de mudança. O tempo precisa dar um tempo para nós. Como? Diz o ditado popular bíblico que do pó viemos e ao pó voltaremos. Então, melhor darmos tempo ao tempo. É chegada a hora das avaliações, dos pesos e das medidas, sobretudo do que ouvimos de nossos políticos de ontem e de hoje.
O que foi dito ontem nada difere do que é lembrado hoje. É uma redundância, pois os políticos são redundantes na essência. Independentemente do governo, eles se repetem com inescrupulosa maestria. Eles falam e praguejam contra antigos aliados como se tivessem se transformado em paladinos da moralidade, como se seus partidos fossem compostos exclusivamente por pregadores do bem e por pessoas absolutamente acima do bem e do mal. Não são. Na verdade, jamais serão. São os rotos negando seus farrapos nessa briga oportunista contra o sujo.
A contenda entre o ex-presidente Luiz Inácio e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, é autoexplicativa. Senador licenciado do PP do Piauí, Nogueira, ex-aliado de Lula, está no governo de Jair Bolsonaro desde agosto de 2021. Hoje, com a armadura reluzente da direita radical, ele não lembra que, em 2017, durante entrevista à TV Meio Norte, emissora piauiense, afirmou que Bolsonaro “tem um caráter fascista”. Pelo menos temporário, o esquecimento tem a ver com chegada ao governo bozolítico, no qual comanda uma das pastas mais importantes da Esplanada, cuja missão é selar a “união” da administração Bolsonaro com o Centrão.
Até as plantas do Palácio do Planalto sabem que a lealdade de Nogueira é proporcional às vantagens que aufere. Por enquanto, o liberador de oferendas atende pelo nome de Jair Messias. Amanhã, como ontem, o mestre deverá ter outro nome, talvez o mesmo de anos anteriores. E, com certeza, estará tudo em casa para o líder do Centrão. E, mais uma vez seremos obrigados a acreditar que politicamente o Brasil ainda tem jeito. Conscientemente, novamente faremos o papel de bobo da corte. Por analogia, continuaremos eunucos profissionais de uma nação que cresce por exclusiva falta de vontade política do povo.
A tese vigente é que as mudanças são trabalhosas e traumáticas. Pode ser, mas muito pior é passarmos a vida ou períodos eleitorais sem expectativas. Nos acostumamos a ouvir que o homem é dono do que cala e escravo do que fala. Nesse sentido, quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo. É o que ocorre atualmente com os bolsonaristas. Poucos têm interesse em comentar sobre o desinteressante governo do mito. Por outro lado, a maioria atinge orgasmos múltiplos ao se referir a Luiz Inácio, seu governo e suas mazelas. A conclusão é simples: Bolsonaro nada fez ou faz, mas adora atacar quem fez um pouquinho. Por isso, sei mais do Bozo do que de sapo barbudo.
O rastro de imagens e sons deixados pelos quatro cantos do país ao longo do último triênio valem mais do que mil palavras. Por conta das cacas, as coisas boas, se houveram, se perderam na fumaça. Embora esteja tentando se transformar em um lorde, o presidente Jair Bolsonaro não consegue esconder o lado maquiavélico desde o berço. Por isso, é uma temeridade dar um segundo mandato a quem faz pouco caso da democracia e se utiliza da mentira com rara eficácia e certo maquiavelismo. Vale lembrar que, a exemplo de uma guerra, os estímulos à insanidade, ao golpismo e ao fanatismo a gente sabe como começam, mas nunca sabemos como terminam.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978