Segundo lapso eleitoral dos milhões de brasileiros votantes – o primeiro foi Collor de Mello em 1989 –, a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 provavelmente não se repetirá no que vem, também conhecido por 2022. É essa a expectativa de pelo menos dois terços dos que se dirigirão às urnas na próxima primavera. Engana-se quem acha que o terço restante está fechado com Messias. Talvez ele não consiga sequer um terço dos 54.657.456 de votos alcançados no pleito anterior. As projeções não são nada alvissareiras. Para analistas de correntes variadas, o atual presidente enfrenta seu pior momento político desde que foi eleito. O pouco caso com a pandemia, a dificuldade de lidar com o Congresso, a hostilidade com o Supremo Tribunal Federal, as ironias diárias contra a imprensa e opositores e, principalmente, as investigações da CPI da Covid, o colocam na condição de forte candidato a perder o próximo pleito.
Caso se confirmem as previsões dos institutos de pesquisa, Bolsonaro será o primeiro mandatário a não ser reeleito desde 1994, quando a reeleição começou a ser permitida no Brasil. Mesmo acusado por todos, Luiz Inácio vence em todos os cenários com expressiva vantagem. Recente pesquisa de intenção de votos indica que, em eventual segundo turno, o petista venceria o mito por 53% a 29%; Ciro Gomes por 49% a 27%; Sérgio Moro por 52% a 26%; e João Dória, por 54% a 16%. O mesmo percentual superior a 50% foi observado contra Luiza Trajano, Eduardo Leite e Rodrigo Pacheco. Além das dificuldades naturais de quem nada produziu de bom para o país, o inferno astral de Bolsonaro é amplificado pelo vício dominador que o afeta sempre que algo lhe é oferecido. É uma necessidade visceral chamar de seu o que pega ou vê.
Tentou, mas não conseguiu com o Brasil, que o rejeita até embaixo d’água. Partiu para o Congresso e acabou perdendo todas as reformas apresentadas como suas. Imaginou ter apoio para emparedar o Poder Judiciário, particularmente o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, e novamente foi obrigado a dançar conforme a música entoada por suas excelências de toga. A busca da vez é por um partido vassalo e que receba verdadeiramente como mito. Depois de quase zerar o prestígio político, dificilmente conseguirá ser “dono” de alguma legenda séria. Esse é o problema do cidadão Bolsonaro. Ele não admite dividir poder, delegar tarefas. Faz parte do DNA da família. O clã quer reinar absoluto, mandar, mandar e mandar.
Imaginemos a hipótese de um golpe comandado por um capitão que até agora não sabe informar o que faz um presidente da República. Qual seria o futuro do país, cujas autoridades não são mais recebidas pelos membros do G20? Até que ponto tio Joe Biden permitiria uma Venezuela de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, com 213,3 milhões de habitantes, pulmão do mundo e ainda relacionada como um dos oito maiores mercados do mundo, embora estejamos com a economia na lona? Biden não é louco como seu antecessor e, por isso, o Brasil não corre esse risco. Mudando o rumo da prosa, mas permanecendo com o mesmo protagonista, não conheço o dia a dia político de Ciro Gomes, mas tenho numerosas restrições ao ser humano.
No entanto, sou obrigado a reconhecer que até hoje nenhum homem público havia pintado Bolsonaro com tanta exatidão. De qualquer lado do quadro, vislumbra-se o retrato perfeito do repulsivo ódio destilado por uma única pessoa. Um dos presidenciáveis que venceria Jair Messias em um segundo turno, Ciro pintou uma tela que não precisa de reparos. Ele é de opinião que, para entender o presidente da República, é preciso conhecer a psicologia de um homem quase doente. Daí, a razão de tanta cólera contra tudo que não consegue chamar de seu e o desejo de se vingar de quem ousou desafiá-lo. Por exemplo, ele tem paixão pela farda, mas odeia seus pares fardados porque, após quebrar a hierarquia militar, foi expulso do Exército. Em razão de sua limitada cultura, também ama odiar os letrados, os intelectuais.
Pior é seu pavor pelo meio ambiente e pelos ambientalistas. O motivo? Foi pesadamente multado pelo Ibama por pesca ilegal na Baía de Angra dos Reis. Por fim, quer ver a Rede Globo no lixo apenas porque, no longo período em que foi deputado federal, jamais foi fonte do jornalismo da emissora. Na verdade, nunca serviu de fonte para empresa alguma de jornalismo. E não foi por uma razão tão simplória como seu ódio: fora as bizarrices, nada produziu que pudesse ser considerado uma boa notícia. Exatamente como agora, na Presidência da República. Portanto, é justo que nunca tenha tido nada para chamar de seu. Nem mesmo os votos de 2018, considerando que boa parte deles foi “conquistada” em protesto à principal liderança da época. Com certeza, esse lapso não se repetirá.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978