Marta Nobre, Edição
Questionado sobre questões técnicas em seu discurso de acusação, um dos autores do impeachment, Miguel Reale Jr., afirmou na comissão especial do Senado, nesta quinta-feira, 28, que está clara a responsabilidade da presidente Dilma Rousseff na edição de créditos suplementares, um dos principais caminhos das pedaladas fiscais.
“Nunca vi um crime com tanta impressão digital”, afirmou Reale. O jurista alegou que é evidente que não havia autorização para que a presidente editasse os decretos de créditos suplementares. “Pode haver autorização legislativa, e se houver, pode-se editar o decreto. Mas não houve. Por que não? Por que realizar decretos passando por cima da Casa Legislativa?”, indagou.
Em defesa da presidente, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) argumentou que havia, sim, autorização para os decretos. “Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, desde que sejam compatíveis com a meta fiscal. Tem um princípio da anualidade”, argumentou.
Reale rebateu afirmando que a prova de que não havia autorização do Legislativo é a edição dos créditos por decreto pela presidente.
O jurista sustentou que a presidente cometeu uma “irresponsabilidade gravíssima” na condução das finanças públicas. “O fato delituoso pode não existir lá na Lei das 12 Tábuas, mas existe na consciência das democracias”, disse o professor, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso.
Em sua fala, Reale Jr. disse que as operações de crédito feitas por Dilma foram “indevidas”. “Ela maquiou artificiosamente esses débitos, fazendo de conta que não existiam, para se gerar junto à população e aos agentes econômicos a ideia de que havia superávit primário”. O jurista prosseguiu: “Não venha dizer que se agiu por necessidade de atender programas sociais, por necessidade. Necessidade só existe quando não há outro caminho, e para reduzir os gastos públicos existem vários.”
Convidado da comissão especial do impeachment ao lado da professora e também jurista Janaina Paschoal, Reale disse que as manobras fiscais geram “desassossego, receio e medo” na população, que já sofre com desemprego e com o fechamento das empresas. “Quanto custará ao povo o sacrifício da quebra do equilíbrio fiscal?”, perguntou aos senadores. Ele negou, também, que as pedaladas tenham sido cometidas por governos anteriores.
Reale ainda comparou o momento atual com o da ocasião do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, hoje senador (PTC-AL). “Aqui o direito de defesa tem sido muito ampliado”, disse. “Esses fatos são trazidos ao conhecimento de vocês no sentido de eliminar esse descaso profundo com a coisa pública”.
O jurista argumentou ainda que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade porque centralizava em si todas as decisões da República. “Sua personalidade centralizadora fazia com que ela tomasse sempre para si as responsabilidades. A presidente era considerada efetivamente a ministra da Fazenda. Qual o nome do ministro da Fazenda? Dilma. Qual o nome do ministro dos Transportes? Dilma. Estava tudo com ela”, afirmou Reale Jr.
Ele defendeu, desta forma, que não é possível argumentar que exista falta de dolo ou qualquer dificuldade de direcionamento da responsabilidade do crime fiscal. “Atos dessa responsabilidade são sempre atribuição do chefe de executivo. Essa é a jurisprudência em casos já analisados, que são de prefeitos. Se atribui ao chefe do executivo essa responsabilidade”, argumentou.
Reale também disse ainda que, em palestra, o próprio advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, já defendeu que a responsabilidade de crimes fiscais é do chefe do executivo.
Ao finalizar seu discurso, o jurista afirmou que apresentou os argumentos necessários para mostrar que o pedido de impeachment não era um pedido vazio, mas com base em um valor fundamental da República brasileira, que é a responsabilidade fiscal na administração pública.
Reale Jr. foi aplaudido, mas governistas criticaram seu discurso por ser “muito político e não se ater à questão do crime”.