Diferente de tudo que já vimos no Brasil desde o Império, as eleições de 2022 vêm sendo encaradas como algo muito além do partidarismo, muito acima das discussões sobre ideias ou propostas. Longe de estar definida, a disputa presidencial envolvendo dois extremos está bem próxima do litígio político-religioso, do confronto entre os bons e os maus. Não sei bem onde querem chegar com esse novo conceito. Aliás, não sei quem inventou esse moído. Sei apenas que o estímulo partiu de um tal de mito, que considera maus todos os que fogem dele. É aquele que é líder, se acha o dono do mundo, mas ainda não descobriu o que fazer com o Brasil. Só os apoiadores fanatizados o idolatram. São os mesmos que têm raiva de quem pergunta para onde estamos indo.
Se depender apenas desses apoiadores, o Brasil e todos os demais brasileiros irão para o buraco. E daqueles bem profundos. Felizmente, somos maiores do que o desejo de um grupo faminto de poder em transformar o país em um curral. Com a sanha desse grupo também aprendemos que o respeito deve começar onde o desrespeito faz morada. O povo cansou da tirania de feira livre. O povo quer fazer valer sua voz. É por isso que os que fazem parte do povo que quer liberdade receberam a alcunha de maus. Então, realmente merecemos o adjetivo. Não sei se devo tonar pública a informação, mas tudo indica que os bons não encherão o caminhão de votos suficientes para manter o chefe supremo como uma espécie da carimbador maluco.
Até outubro tudo pode acontecer. E, com certeza, eles (os bons) farão de tudo para forjar algum acontecimento capaz de lhes garantir um mote para melar a eleição. Portanto, seja qual for o resultado, está claro que o Brasil não será mais o mesmo. Até os ratos de Brasília sabem que, apesar de certo recuo, o pleito seguirá com ameaças recorrentes ao sistema de votação, com respingos pra lá de óbvios na apuração final da Justiça Eleitoral. Como tem sido desde a posse do líder, o medo de uma eventual derrota o manteve diuturnamente no palanque e sempre cobrando mais perfeição da urna eletrônica, equipamento pelo qual é eleito há 25 anos e que, embora questionado por poucos, já foi usado em várias partes do mundo e jamais foi fraudado.
O próprio líder e todos os seus apoiadores e apaniguados sabem que não há hipótese disso. Mesmo assim eles insistem. Por conta dessa insistência e com a premissa de que os bolsonaristas de carteirinha manchada de mentiras devem repetir o discurso de fraude eleitoral de Donald Trump para rejeitar uma possível derrota, o mito e seus consultores receberam, por meio da CIA, um “aconselhamento” do governo dos Estados Unidos. Imagino que com a sutileza de um elefante, o emissário de Joe Biden “sugeriu” que o mandatário brasileiro pare de tentar desacreditar as eleições nacionais. Pouco importa o tom da sugestão, recado pedido ou alerta. O fato é que a recomendação não é fake news. Ela realmente aconteceu e é a prova cabal de que o Haiti não é aqui.
De acordo com a agência de notícias Reuters, o nada romântico encontro ocorreu em julho do ano passado e envolveu Willian Burns, diretor da CIA nomeado por Biden, Jair Messias e três de seus principais conselheiros: os generais Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos, além do delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem, então chefe da Abin. Naturalmente o “evento” foi negado na mesma rede nacional em que foi confirmado. Claro que devemos questionar toda e qualquer tentativa de intromissão externa em nossa soberania, principalmente a eleitoral. Temos de questionar, mas não aceitar que o mundo receba silenciosamente uma avalanche de desinformações sobre o processo eleitoral e duvide de sua lisura.
Por isso, é inaceitável que o chefe da nação, antevendo dificuldades concretas de vitória, transforme as urnas eletrônicas em inimiga número um do povo brasileiro antes mesmo de elas serem abertas. Virou moda atacar sem provas o sistema brasileiro. O esperneio da vez é a contratação de uma auditoria externa para acompanhar o pleito de outubro. Faça isso, presidente, mas antes saia do palanque, comece a governar e alcance naturalmente os votos capazes de lhe garantir um novo mandato. Ameaçar o que funciona e criticar autoridades da Justiça Eleitoral não cola mais. Nem Trump repetiria o fiasco. Trabalhe, ganhe nas quatro linhas e, se perder, aceite que dói menos. Não invente mais nada que empurre ainda mais o Brasil para o buraco negro do abandono internacional. Titio Joe Biden está de olho.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978