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Barbas de molho

Recado do Judiciário deixa claro que norma para 2022 é imexível

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo

As últimas reações dos ministros do STF e do TSE aos insultos do presidente da República sacudiram a Praça dos Três Poderes e devem mudar o rumo da prosa entre Palácio do Planalto, Congresso Nacional e, sobretudo, o Centrão. O confronto não interessa ao país, aos parlamentares e, principalmente, não faz parte do DNA do blocão da boquinha, cujos integrantes não estão acostumados a nadar em mares com ondas acima do previsto. No máximo uma marolinha. Eles sabem que a possibilidade de golpe é remota. Sabem também que embarcar nesse sonho personalista e antidemocrático os colocará na mesma vala golpista ou, na pior das hipóteses, os levará ao calabouço no caso de fracasso da iniciativa.

O emparedamento e a determinação de incluir Bolsonaro no inquérito das fake news, ambos anunciados na quarta-feira (4) à noite, soaram como o primeiro susto. No fim da tarde dessa quinta-feira (5), vieram as pancadas definitivas: o cancelamento da reunião entre os chefes dos três poderes e a derrota do parecer favorável à proposta de retorno do voto impresso. De autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), a chamada auditagem do voto gerou uma série de ataques desferidos por Jair Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação, particularmente ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do tribunal eleitoral. Vale ressaltar que a decisão do ministro Luiz Fux, presidente do STF, foi referendada pela maioria dos ministros das duas cortes superiores e recebeu apoio de parlamentares de variadas correntes políticas.

Cancelar a reunião que poderia selar a paz entre Executivo e Judiciário pode não ser ainda um sinônimo de rompimento. Entretanto, com certeza, a derrota do voto impresso encerra um ciclo de desinformação presidencial, quase um besteirol, embora o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), numa tentativa de agradar o chefe da nação, tenha sinalizado com uma sobrevida do tema em plenário. Por falta de votos, provavelmente o agrado de Lira, líder do Centrão, não passará da sinalização, na medida em que as principais lideranças do bloco, aliadas aos preocupados apoiadores, preferem não colaborar com mais lenha na fogueira das vaidades.

A verdade é que as barbas foram colocadas de molho. A turma, boa parte com processos (no plural mesmo) tramitando no Supremo ou na Justiça Eleitoral, teme ser incluída gratuitamente nessa aventura leviana de esticar a corda com suas excelências de toga. Repito que esse não é o perfil do agrupamento. Surgido na fase mais caliente da Assembleia Nacional Constituinte, quando tinha maioria folgada, incluindo parlamentares do chamado baixo clero, o grupo teve o então deputado Roberto Campos (MDB-MT) como mentor intelectual, embora outro Roberto (Cardoso Alves) até hoje seja considerado o grande articulador das negociações.

Mesmo integrando a antiga Arena, partido da base da ditadura, Robertão foi cassado em 1969, por se manifestar contra a cassação do oposicionista Márcio Moreira Alves. Foi reconduzido à Câmara Federal em 1979. Em 1987, durante a Constituinte, transformou-se no grande líder do Centrão. Figura de proa para o governo de José Sarney, tanto no PMDB quanto no PTB, fez a releitura de São Francisco de Assis (“É dando que se recebe”) para explicar o apoio de deputados às propostas do então presidente, em especial ao mandato de cinco anos. Três décadas e meia depois, nada mudou na política brasileira. Mesmo sem mandato, um terceiro Roberto (Jefferson) é o aluno mais aplicado dos falecidos homônimos.

Presidente nacional do PTB, esteve na linha de frente dos governos Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio e ficou nacionalmente conhecido por seu envolvimento no esquema de corrupção chamado de mensalão, do qual participou e foi o primeiro a denunciar. Atualmente é “convidado” a dar pitacos políticos, econômicos, educacionais e até judiciais. O certame político para 2022 já começou. Quer queiram ou não, o presidente da República e seus reacionários seguidores têm de ser informados de que o jogo tem de ser jogado sem recursos espúrios de última hora. É vergonhoso imaginar o tapetão antes do início da partida. Ninguém é superior às leis. Por tudo isso, é preciso considerar as novas informações do comando do Judiciário. A regra é clara e não será modificada. Com a palavra os eleitores. E agora, José?

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