Sem que alguém perguntasse, Jair Bolsonaro deu três declarações até certo ponto surpreendentes no início da semana passada. Pelo que se conhece do capitão, a surpresa foi recebida com muitas ressalvas pela sociedade, analistas políticos, apoiadores e, principalmente, eleitores já incluídos em outro “patamá”. O primeiro “petardo” foi admitir a derrota do voto impresso na Câmara dos Deputados. A bomba não chegou a explodir porque faz tempo o Brasil inteiro sabia que a emenda proposta pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) apenas pipocaria, ou seja, não passaria de um traque. O segundo – se derrotado, entregará a faixa para qualquer um – passou desapercebido pela maioria dos leitores de jornais impressos e sites. Na terceira e mais relevante bombinha, o presidente da República sugere que, sem auditagem do voto, pode não disputar as eleições de 2022.
Essa poderia ser explosiva – estouraria no colo do próprio governo – se o ministro da Defesa, general Braga Netto, confirmasse a informação de que enviou ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), um documento, paper ou recado com ameaças de golpe caso o Congresso não aprove o besteirol da auditagem do voto. Mesmo sem a veemência desejada, Braga Netto negou. Considerando de quem partiu, a bravata contra a Constituição seria seríssima não fosse a forma como foi apresentada: Um recadinho de pai em “defesa” do filho mimado. Parto sempre do pressuposto de que cão que ladra não morde. De qualquer maneira, como bem disse o governador maranhense Flávio Dino (PSB), a denúncia do jornal O Estado de São Paulo é gravíssima e merecia uma imediata manifestação da cúpula do Ministério da Defesa. Conforme Dino, a democracia admite tudo, “menos crimes que visam destruí-la”.
Não sei se acredito na negativa, mas pouco importa o que acho, na medida em que cerro fileiras com aqueles que cobram um posicionamento eloquente do Supremo Tribunal Federal, do Ministério Público, da OAB e da sociedade civil, além de alguma coisa honesta do próprio deputado alagoano e do general articulador. Como esperado, Arthur Lira e Braga Netto negaram timidamente a chamada intimidatória. Entretanto, a direção da publicação paulista confirmou a veracidade da matéria publicada na edição da última quinta-feira (22). Ou seja, o assunto está vivo. Pelo sim pelo não, é bom lembrar que todos esses segmentos, inclusive o parlamentar e o militar, conhecem a lisura e a segurança do sistema eletrônico de votação brasileiro e certamente têm resposta pronta acerca da matéria.
Eles também sabem que não há chance de aprovação da emenda do voto impresso, que haverá eleição e que dificilmente o atual presidente conseguirá ser reeleito, não importando quem seja o adversário em outubro do ano que vem. Faz algum tempo despertamos diariamente com ameaças golpistas de todos os andares, gabinetes e autoridades com assento no Palácio do Planalto. Por enquanto, nada além de fanfarronices intimidatórias. Nenhum tiro, mortos ou feridos. A prosa não para, mas dificilmente se transformará em verso. Ficamos no festim, mas com estilhaços certeiros no peito do capitão.
Em resumo, o governo vem sendo golpeado de morte com absurda frequência. Nada que assuste tanto quanto os efeitos da Covid-19, doença sorrateira e que já atingiu 19.473.954 pessoas, das quais 545.604 chegaram a óbito. Por isso é que tenho medo dos sonsos, dos caladões e, sobretudo, do que agem nas sombras, estilo da maioria dos integrantes do grupo da boquinha, comandado exatamente pelos taciturnos Lira e Ciro Nogueira, futuro novo ministro da Casa Civil. Reitero que não apostei um espirro no recado do ministro da Defesa. Na verdade, nem registrei. Todavia, ele (o recado) incendiou o vespeiro do Centrão e estimulou o golpe branco do bloco.
Da mesma forma, não duvido nem uma gripezinha no desmentido de Arthur Lira, embora esteja convicto de que ele morrerá jurando a inocência de Braga Netto. E a razão é simples. O golpe foi silencioso e já ocorreu quando o Centrão enquadrou os militares, assumiu o governo, emparedou o presidente e já deixou claro que só cravará apoio à reeleição do capitão se ele ainda tiver oportunidade de dizer ao que veio. Faz parte o DNA do grupo de deputados e senadores, cuja ideologia é meu pirão primeiro. Como até agora nada de nada, a voracidade do bloco deve durar apenas mais uma estação.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978