A rápida disseminação do coronavírus, declarado como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), está causando pânico nos mercados financeiros, fuga de capitais, desvalorização de moedas em relação ao dólar e uma ameaça crescente de recessão global.
Embora a situação tenha começado em países asiáticos, no cenário atual o surto está presente em pelo menos 114 países, infectou quase 120 mil pessoas e deixou mais de 4,7 mil mortos.
A decisão da Itália de colocar em quarentena o país inteiro, além da rápida disseminação da doença no resto da Europa e nos Estados Unidos, o colapso dos preços do petróleo e a montanha russa das bolsas de valores são fatores que fazem especialistas considerarem que uma recessão econômica global no primeiro semestre é quase iminente.
Jeffrey Frankel, professor de economia da Universidade de Harvard, disse à BBC News Mundo que a possibilidade de uma crise econômica “parece ter aumentado dramaticamente”. “Estamos muito perto de uma recessão global”, diz.
Uma voz de alerta que começou a se espalhar entre a maioria dos economistas e investidores, especialmente agora que os casos de contágio estão aumentando rapidamente.
Wall Street entrou em “bear market” na quarta-feira — quando o índice da bolsa tem pelo menos 20% de queda em relação ao seu recorde de alta no ano, encerrando o período de “bull market”, quando a tendência das ações é de alta.
A queda do mercado de ações ocorreu depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que o coronavírus é oficialmente uma “pandemia”. No Brasil, nesta quinta;feira, a Bovespa teve as negociações paralisadas duas vezes no mesmo dia.
No dia a dia, medidas de isolamento tomadas em alguns países e o medo do contágio afetaram fortemente o setor de turismo, com as companhias aéreas relatando perdas financeiras sem precedentes que as levaram a fechar rotas aéreas ou a operar voos “fantasmas” com quase nenhum passageiro.
Entre as medidas mais drásticas, os Estados Unidos anunciaram na quarta-feira a suspensão de “todas as viagens da Europa” para seu país por 30 dias. Exceção foi feita às partidas do Reino Unido.
Além disso, muitas empresas pediram que seus funcionários trabalhassem em casa, enquanto o fechamento de fábricas na China e em outros lugares causou problemas nas cadeias produtivas globais.
Nesse cenário, as empresas estão se preparando para relatar os resultados no vermelho, se o crescimento econômico estagnar. Com uma diminuição nos investimentos e menos consumo nas famílias, os efeitos econômicos da pandemia podem gerar um aumento no desemprego e estagnação na economia e nos salários.
‘Ameaça paralisar o crescimento global’
“O coronavírus ameaça paralisar o crescimento global”, disse Tom Orlik, economista-chefe da Bloomberg Economics, à BBC News Mundo.
“Há um mês, o cenário mais provável parecia ser um grande surto limitado à China e a outros países que sofreram efeitos relativamente menores. Isso agora parece otimista demais”, acrescenta ele.
“As chances do pior cenário ocorrer, com as principais economias sofrendo um impacto significativo, estão aumentando a cada dia.”
Nesse caso, o custo global pode chegar a US$ 2,7 trilhões se todos os países estiverem expostos às conseqüências econômicas da pandemia.
E se a economia americana se retrair, diz Orlik, a dinâmica das eleições presidenciais também poderá ser afetada.
Rohan Williamson, professor de finanças da Universidade de Georgetown, em Washington DC, também acredita que estamos perto de uma recessão global.
Os efeitos do coronavírus e a volatilidade nos mercados de ações globais são indicadores de preocupação para os investidores, diz ele.
“Claramente, houve um choque na demanda global que tem um enorme impacto”, explica Williamson.
América Latina
Marcos Casarin, economista-chefe da América Latina na consultoria britânica Oxford Economics, projeta que a recessão econômica geral cairá no primeiro trimestre e terá “vida curta”.
Casarin diz à BBC Mundo que, nessas circunstâncias, “estamos muito perto de uma recessão global”, embora a principal dúvida seja o que acontecerá com a recuperação que deve ocorrer no segundo trimestre.
“Tudo vai depender de quantos bloqueios de emergência serão impostos depois de março”. No caso da América Latina, ele explica, estamos diante de uma mistura preocupante.
“A combinação de queda nos preços do petróleo, colapso da moeda e coronavírus é definitivamente negativa para o crescimento”, diz o economista.
E os países que já estão em recessão (como a Argentina, por exemplo) “verão uma recessão mais profunda”, enquanto os que estão à beira de uma, como o México, “serão arrastados para a recessão”.
Sobre como lidar com a crise na região, Casarin diz que a maioria dos governos praticamente não tem folga que permita relaxar a política fiscal, ou seja, menores taxas de juros, reduzindo o custo do crédito.
“O pior ainda está por vir”
Embora as projeções variem, existe um consenso entre os analistas financeiros de que as perspectivas devem melhorar na segunda metade do ano.
No entanto, muitos alertam que o impacto econômico não atingiu o fundo do poço, pois o vírus continua a se espalhar rapidamente.
“O pior para a economia ainda está por vir nos próximos meses”, escreveu Joachim Fels em nota a seus clientes, consultor econômico global da PIMCO (Pacific Investment Management Company), empresa que administra fundos de investimento em larga escala.
Jan Hatzius, economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs, informou aos clientes que a duração e a profundidade da crise econômica dependem das medidas tomadas pelos governos.
Resta ver “se as autoridades de saúde podem atrasar materialmente a propagação do vírus por meio do aumento de testes, restrições à eventos com multidões e quarentena das pessoas infectadas”.
Neil Shearing, economista-chefe da empresa de análise Capital Economics, alertou que, se as condições piorarem, uma “recessão acentuada, mas provavelmente curta, está chegando”.
E acrescentou que, à medida que o vírus se espalha, há uma boa chance de que o cenário mais negativo das projeções econômicas se torne o mais provável.
Organizações internacionais também fizeram projeções considerando diferentes cenários, de acordo com a taxa de disseminação do vírus.
Na pior das hipóteses, o crescimento econômico mundial poderia cair para metade do que havia sido projetado (queda de 1,5%), segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) alertou nesta semana que o custo da crise na receita global poderá chegar a US$2 trilhões.
E que a duração e a profundidade da crise dependerão de três fatores: até que ponto e com que rapidez o vírus se espalhará, quanto tempo levará para que uma vacina seja encontrada e qual será a eficácia dos governos na mitigação dos danos.