José Carlos Schiavinato
O Projeto de Lei que visa regulamentar a destinação de carcaças de animais mortos em propriedades rurais para fins não comestíveis pode significar um salto de qualidade para a agroindústria brasileira, sem pretender substituir ou concorrer com os métodos de descarte em uso, mas tão somente oferecer ao criador uma alternativa que possa ser exequível para as diferentes circunstâncias ou dificuldades que se apresentem durante o processo de produção animal.
Complementarmente, representará vantagens ambientais, como a redução da emissão de gases do efeito estufa, da contaminação do solo e de lençóis freáticos. No Brasil, mais de 1,5 bilhão de quilos de carcaças permanece nas granjas anualmente. Com a regulamentação do aproveitamento das carcaças, prevista no Projeto de Lei 5.851/2016, o Brasil terá uma maior segurança sanitária da cadeia da carne, por três razões específicas:
1. Melhoria das condições sanitárias das granjas ao remover fontes de contaminações cruzadas que ocorrem em decorrência de estabelecimentos pequenos estarem impossibilitados de manter distâncias suficientes entre área de produção e área de manejo de animais mortos e de resíduos. É princípio de boas práticas de produção não manejar animais vivos e mortos na mesma área. Animais de produção estão sempre infectados por uma série de agentes patogênicos na ausência de sinais clínicos e aqueles que morrem por causas diversas podem contaminar o ambiente, equipamentos, utensílios, roupas, calçados etc. de uso rotineiro, agentes patogênicos que podem retornar aos animais vivos aumentando a carga infectante;
2. Aumento da rastreabilidade dessas carcaças, pois o sistema de coleta irá identificar o volume, origem, destino e processamento do material, garantindo o destino apropriado e a segurança sanitária;
3. O Brasil possui um moderno parque fabril que vem processando anualmente, há longa data e com elevado nível de segurança, mais de 12 bilhões de quilos de subprodutos do abate animal, o que justifica ser possível manter tal padrão de qualidade e de segurança.
Ou seja, ao adotar a coleta e processamento das carcaças de animais que morrem em granjas, devido a causas não relacionadas com doenças emergenciais, estamos apenas nos alinhando com as recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde), que caracteriza esse serviço como de interesse público, pois retira do meio ambiente animais e partes de animais que, se deixados nas propriedades, seriam importantes fontes de contaminação aos operadores da granja, das áreas de produção e à fauna local.
Segundo a OMS, a reciclagem de carcaça de animais mortos e resíduos, manejo praticado há alguns séculos, é um serviço essencial de saúde pública, econômica, eficiente e de importância para o meio ambiente. O processo implica na fusão de carcaças e resíduos animais a temperaturas elevadas por tempo determinado. O produto final sobrenadante –gorduras e sebo– é destinado à fabricação de lubrificantes, sabões, cosméticos, velas, farmacêuticos, tintas e cimento. O precipitado –proteínas pesadas– é processado para utilização como suplementos energéticos que podem ser incorporados como ingredientes de rações para animais.
A participação da reciclagem na saúde pública significa sanear aqueles resíduos que representam perigo se tratados de forma tradicional. Carcaças de animais favorecem a proliferação de agentes patogênicos que podem infectar o homem e animais. A incineração causa intensa poluição do ar. Enterramento pode disseminar agentes de doenças. E a reciclagem saneia resíduos animais e desperdícios.
Já a temperatura elevada é suficiente para eliminar quase todos agentes de doença, sendo o agente da vaca louca, uma notória exceção. O Brasil é livre da doença “vaca louca” típica que ocorre em muitos países, principalmente do hemisfério norte. O volume total de resíduos e carcaças é outro problema. Metade do peso de um bovino e um terço de um suíno não são consumidos pelo homem. Somente na Comunidade Europeia, as indústrias de reciclagem processam 9 milhões de toneladas de resíduos e carcaças de animais. Somente esse dado representa o melhor método de saneamento.
Atualmente, em diversos países –como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, México, China, Chile e Canadá– a coleta de carcaças é regulamentada por legislações específicas. Nos EUA, mais de 1,5 bilhão de quilos de carcaças é coletado e apropriadamente processado anualmente. Quase 70% das carcaças de suínos que morrem em granjas seguem para a fabricação de farinhas e gorduras de origem animal, não havendo qualquer restrição governamental quanto ao destino desses produtos finais,
A OIE (Organização Mundial da Saúde Animal), em seu Código de Animais Terrestre recomenda, para destinação de animais mortos nos estabelecimentos de criação, os seguintes métodos, expressos em número de pontos favoráveis na mitigação de risco: reciclagem (785 pontos); compostagem (595 pontos) incineração fixa (650 pontos); queima em pira (535 pontos); enterramento em massa (515 pontos). Foram excluídos do estudo o enterramento no estabelecimento de criação e o aterro sanitário.
As recomendações de OIE e OMS estão em harmonia com recentes estudos realizados nos EUA, que comprovaram ser a reciclagem a prática de menor impacto ambiental quanto à emissão de gases de efeito estufa. Enquanto a compostagem de 1.000 kg de carcaças animais emite entre 2.500 kg e 4.000 kg de equivalente CO2 (a depender da tecnologia de compostagem adotada), a reciclagem animal emite apenas 200 kg de equivalente CO2. Ademais, quando reciclado, esses 1.000 kg de carcaças animais produzem aproximadamente 200 kg de gorduras, que podem ser facilmente destinadas à produção de biodiesel, reduzindo ainda mais a queima de combustíveis fósseis, o que não ocorre com a compostagem.
Portanto, é equivocada a argumentação de alguns profissionais de que os países acima mencionados, que praticam regularmente esse serviço, suspenderiam as importações dos produtos brasileiros, apenas por adotarmos uma prática adotada por eles próprios há mais de um século.
No Brasil, somente mencionado suínos, estima-se que mais de 300 milhões de quilos de animais que morrem nas granjas são descartados de maneira incorreta, e parte deste volume tem sido clandestinamente encaminhado para a produção de embutidos destinados ao consumo humano.
No Brasil já existe métodos de armazenagem dos animais mortos e resíduos de produção em câmaras frias (-10ºC a -12ºC) para acondicionamento tão logo a mortalidade seja identificada e a retirada periódica facilitada pela localização dessas câmaras no limite entre área limpa (de produção) e área suja, objetivando mitigar as possibilidades de contaminação cruzada.
Finalmente, é oportuno mencionar que a reciclagem pode vir a representar abertura de novos mercados para o agronegócio brasileiro, tanto interno (na alimentação de animais de zoológicos, jacarés etc.) como externo.