Estrategista da direita
Recuos de Bolsonaro são como o primeiro sutiã da Valisère
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emEntre os recuos de Jair Bolsonaro, pelo menos em três ou quatro ocasiões ele mostrou que, seja quem for, um presidente da República pode tudo, desde que dentro das quatro linhas, como ele mesmo gosta de lembrar. Em outras palavras, pode fazer um pouco, mas o tudo está muito distante do próprio desejo, sobretudo do sonho dourado de ser um deus, talvez um rei, quem sabe um mito qualquer. Acima dele, as leis e as instituições, entre elas uma que não deixa nenhum governante em paz sem aquela famosa e indecente contrapartida. Refiro-me ao Congresso Nacional, Poder sem o qual nenhum presidente chega a lugar algum. A menos que exerça inescrupulosamente a máxima do toma lá, dá cá. O Brasil e o mundo sabem que foi assim com José Sarney, Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio, Dilma Rousseff e Michel Temer.
Jair Bolsonaro se elegeu dançando e jurando o contrário, inclusive denominando de termos nada republicanos os integrantes do grupo da boquinha. Com histórico parlamentar sem brilho algum e presidente de pautas consideradas de ultradireita, o mito é avaliado por alguns como estrategista. Entretanto, está mais para engodo. Tanto isso é verdade que bastaram algumas recuadas e percalços de última hora para, de papel passado com registro em cartório, cair nos braços dos líderes do Centrão. As chaves dos cofres das emendas secretas e das porteiras dos palácios foram juntas. O governo já tem dois anos e 11 meses, isto é, quase dois terços, mas a primeira rendição – pelo menos a principal – a gente nunca esquece.
É como o primeiro sutiã, comercial da Valisère, criado em 1987 pelo publicitário Washington Olivetto e imortalizado pela então atriz iniciante Patrícia Lucchesi. Após 33 anos do lançamento da premiada peça publicitária, a frase continua atual e assim será eternamente. A primeira rendição a gente jamais esquece. As mudanças de tom foram repetitivas. A série de ameaças ao Supremo Tribunal Federal, especialmente ao ministro Alexandre de Moraes, se perderam nas nuvens. No auge da pandemia, o presidente brasileiro insinuou que o Coronavírus teria sido criado intencionalmente pelo governo chinês. Após ameaças econômicas de Xi Jiping, Bolsonaro voltou atrás e elogiou a parceria chino-brasileira durante reunião virtual de líderes do Brics, bloco formado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul.
Na sequência, depois de meses colocando em dúvida a eficácia de vacinas contra a Covid, o capitão mudou o discurso e chegou a afirmar que os imunizantes eram importantes para que a “economia não deixasse de funcionar”. Fechou com o Butantã de João Dória a produção de milhões de doses da Coronavac e, paralelamente, apoiou a compra de outros 33 milhões de doses de vacinas por empresas. Disse que vetaria, mas sancionou a proposta que estabeleceu o valor de R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral para as eleições municipais de 2020. Teria de escrever um dia inteiro se quisesse enumerar todos os recuos oficiais desde a posse, no primeiro dia de 2019.
Todos foram devidamente divulgados, criticados, lamentados e até elogiados pela turma do cercadinho. No entanto, nenhum deles calou tanto os gritos bolsonaristas como a rendição de 7 de setembro. Recuo histórico e necessário para a permanência do Brasil no Mapa Mundi, estancar a tentativa de golpe foi de fato o primeiro sutiã. Assim como o utensílio mamário, a fracassada tese golpista marcou negativamente a história recente do país. Ou seja, interna e externamente, a derrota da soberba nunca será esquecida. Também vale lembrar que Bolsonaro se associou ao fã Renato Portaluppi, abandonou a indumentária palmeirense, vestiu a camisa do Flamengo nas redes sociais e, infelizmente, acabou novamente no Irajá.