À procura de um partido para também chamar de seu, Jair Bolsonaro desde a posse, em 1º de janeiro de 2019, tenta ser um presidente diferente dos antecessores. Pensou ser o dono do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados, do Senado, das Forças Armadas, pincipalmente do Exército, das urnas eletrônicas, tentando impor a volta do voto impresso, e até jurou ser mito, quem sabe um rei. Uma pena – ou sorte do país – que tudo isso ficou somente na vontade. O reino não está longe de passar para mãos mais preparadas, menos radicais, muito mais abertas ao diálogo e sempre fechadas para o ódio e para o negacionismo. Os súditos estão em debandada. Felizmente, entre pensar, querer e concretizar vai uma distância enorme. É só para os bons, para os capazes, os dispostos, os bem-amados, sobretudo para aqueles pelos quais se tem alguma querência.
Em tempo algum, venceu quem, soberba e vaidosamente, enamorou-se de si mesmo, esquecendo-se das tarefas básicas de um líder. Além do abandono global – talvez por conta disso -, a tendência de futuro do Brasil com a extrema direita é uma herança maldita. Sem perspectivas de governança, tampouco de propostas assertivas, a expectativa é tenebrosa. Em breve, habitaremos um país estraçalhado, com dezenas de milhões de desempregados, fome e mortes, muitas mortes por inanição ou até por balas de canhão. Até bem pouco tempo, diziam que estávamos próximos desse estágio com a permanência da esquerda no poder. Inquestionavelmente com muitos erros e desacertos, o outro lado está a cavalheiro, pois, após 14 anos, deixou a Presidência com o Brasil em nada se parecendo com a Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.
Hoje, apenas dois anos e dois meses da administração redentora, o povo brasileiro está a dois passos de um precipício ainda mais infinito do que os sofridos e ex-milionários venezuelanos. Negada ou minimizada desde o surgimento, a pandemia no iluminado Brasil já infectou quase 14,5 milhões de anônimos, artistas, deputados, senadores, ministros e presidente da República. Desses, mais de 380 mil viraram números e hoje são lembrados exclusivamente nas estatísticas dos telejornais. Nesse período de comando do vírus, a fome alcançou 27 milhões. Com toda podridão do Estado, na Venezuela o quantitativo de doentes e mortos é bem menos do que 1% do nosso total. Outro dado relevante: eles nos forneceram oxigênio no exato momento em o governo começava a respirar por aparelhos enferrujados, entupidos e claudicantes.
Acostumado a manifestar preocupação com a nação somente nas redes sociais e nas lives, o principal inquilino do Palácio do Planalto ainda não percebeu que o caos está logo ali. Não nos iludamos com a preguiça da ampulheta. A catástrofe não é para os próximos anos ou décadas. Começou semana passada e se apresenta como paralisação por tempo indeterminado. Tudo bem se não fosse o cansaço e a (im)paciência do povo, que espera por protagonismos coletivos desde a eclosão do bolsonarismo. Na contramão da esperança do eleitorado que o encheu de votos em protesto ao que achava ruim, o capitão conquistou rapidamente um título que prometeu jamais disputar: nenhum outro presidente brasileiro fez tantas visitas oficiais internacionais nos primeiros seis meses de mandato. Quanto aos resultados alcançados, nenhum que tenha merecido se tornar público.
Em meio a um dos períodos mais críticos da pandemia, Bolsonaro, acompanhado por seu séquito, viajou para praias de Santa Catarina e São Paulo, onde desfilou sem máscara, aglomerou multidões de fanáticos e ainda gastou R$ 2,3 milhões dos cofres públicos. Claro que o presidente tem direito a férias. Entretanto, para quem adora criticar o malfeito alheio, o capitão, ao contrário da maioria dos antecessores, que buscavam espaços públicos para o ócio remunerado, normalmente instalações militares, optou por refúgios litorâneos nobres, como São Francisco do Sul, em Santa Catarina, e Guarujá, em São Paulo, balneários a que poucos mortais adoecidos têm acesso.
Pior do que o convescote foi o esclarecimento de viva voz do ministro Wagner Rosário, da Controladoria Geral da União (CGU), aos integrantes da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Embora as imagens mostrem um mandatário com indumentárias improváveis para afazeres oficiais, Wagner afirmou que Bolsonaro trabalhou normalmente na praia entre 18 de dezembro e 5 de janeiro, inclusive no Réveillon. Desgovernado e sem um presidente para chamar de nosso, resta ao povo rogar às alturas para que aprendamos que sonhar não é fantasiar, que a beleza não está no que vemos, mas no que sentimos. Certo da força das palavras, o maior pedido endereçado a Deus deve ser no sentido de que a forte gente brasileira jamais enfraqueça, apesar do fraco rei. “O fraco e flexível é mais forte que o forte e rígido”. Não nos esqueçamos disso. O pensador português Luís Vaz de Camões e o filósofo da antiga China Lao Tsé (Lao Zi) continuam entre nós.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978