Bagaço da laranja
Rejeição a candidatos deixa muito eleitor sem opção
Publicado
emExercendo meu direito constitucional de criticar e, ao mesmo tempo, usando o dever de censurar o que acho errado, exagerado ou mal conduzido, jamais esqueço dos conceitos básicos da democracia: aceitar e respeitar a vontade do povo, que, nas questões eleitorais, em primeira e última análise, é o senhor da razão. Portanto, posso não concordar – e não concordo – com a forma (?) de governo do capitão presidente, mas não me insurjo contra ele fora das quatro linhas. O combate e as contestações são velados, normalmente escritos, mas nunca além da legalidade. Parto sempre do pressuposto de que alguns preferem o bagaço à laranja. E, conforme a preferência, temos de engolir.
Afinal, o mal de determinados homens é acreditar que o poder, os gritos, os xingamentos e as insígnias os tornam imunes à rejeição. Aliás, esse é o problema maior dos principais candidatos ao Palácio do Planalto. Antes de promessas impossíveis, ameaças descabidas e lorotas impublicáveis, os postulantes que há meses disputam o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de votos tinham de saber que querer ser perfeito para fanáticos seguidores é uma sentença condenatória à rejeição que tanto temem. Mais do que isso, precisam reconhecer que aversão e antipatia não são ausência de amor, mas a diferença entre o amor que esperamos e o que obtemos. Simples assim.
Atender a quem o chama é muito bonito. Lutar por quem o rejeita é quase chegar à perfeição. O complexo de rejeição age como um bloqueio para o desenvolvimento de relações interpessoais sadias. Pode até mesmo ser um mecanismo de autossabotagem inconsciente. A lógica é mais ou menos a de estourar, espinafrar, ameaçar ou desistir antes de ser rejeitado. Pior é quando tudo isso ocorre simultaneamente. No caso dos dois candidatos com chances reais de vencer o pleito de outubro, a situação é clássica.
Embora estejam bem distante dos demais concorrentes, os dois morrem de medo de, na reta final, serem derrubados pelo surgimento de um tertius mais simpático, mais preparado, menos raivoso e sem envolvimento ideológico capaz de obrigá-lo a governar para grupos. Na verdade, a polarização desenterrou o pavor dos principais presidenciáveis. Não há dúvida de que o cérebro de ambos não conseguem disfarçar o registro da rejeição da mesma forma que a dor física. Isso fica claro nas aparições públicas de um e de outro. Saber que alguém prefere seguir sem nossa presença porque não nos aceita é realmente muito difícil.
A rejeição ao governo Bolsonaro já chegou a 60%, contra 43% de Luiz Inácio. Hoje, Lula da Silva tem cerca de 40% do eleitorado “mais decidido” (o chamado voto certo”, 14 pontos percentuais a mais do que Jair Messias e Lula da Silva. Faltando sete meses para a eleição, isso não quer dizer nada, considerando que a campanha decisiva ainda não começou. Apesar de serem os preferidos, na matemática mais crua está claro que a maioria do brasileiro votará este ano por exclusão, ou seja, simpatia não existe por nenhum dos dois. O prato não é perfeito, mas, se não houver alternativa, um pelo outro opto pelo já conheço.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978