Carolina Paiva, Edição
Pode dizer-se que o resultado não foi surpreendente: o Relógio do Apocalipse está a dois minutos e meio da meia-noite. Já se esperava que o “relógio”, acertado por especialistas da revista Bulletin of the Atomic Scientists, se adiantasse relativamente a 2015 e 2016, anos em que marcou as 23h57. Quais os motivos para este avanço? Os mais citados na conferência de imprensa desta quinta-feira foram Donald Trump, as alterações climáticas, a cibertecnologia e as armas nucleares.
Como uma grande metáfora dos cientistas atómicos, o Relógio do Apocalipse voltou a deslocar os ponteiros em direcção ao fim. O anúncio foi às 15 horas de Lisboa, via streaming da cidade de Washington: pela primeira vez na história do Relógio do Apocalipse são adiantados uns “icónicos” 30 segundos. “Ao longo de 2016, o cenário de segurança global tornou-me mais negro, pois a comunidade internacional falhou as medidas às ameaças, às armas nucleares e às alterações climáticas…”, refere um comunicado do painel de especialistas que decidiu a nova hora deste relógio.
Os ponteiros deste relógio são movimentados por um painel composto por 14 cientistas – especialistas em energia nuclear, desarmamento, armas ou alterações climáticas – e que é liderado por Lynn Eden, Investigadora no Centro para Cooperação e Segurança Internacional, da Universidade de Stanford, EUA. Esta apreciação é feita também por um painel de cientistas que inclui Freeman Dyson, Brian Greene, Stephen Hawking ou Martin Rees. Entre eles, há 15 cientistas laureados com o Prémio Nobel, como Steven Weinberg, Nobel da Física de 1979. Todos calculam se a humanidade estava mais próxima ou mais longe de se autodestruir.
“Para marcar o 70.º aniversário do Relógio do Apocalipse, a deliberação deste ano é muito mais urgente do que o normal”, começou por dizer Rachel Bronson, directora executiva do boletim. E referiu que os perigos das armas nucleares, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos e as alterações climáticas foram largamente tidos em conta.
Depois do anúncio, Lawrence Krauss, professor de física na Universidade do Arizona (EUA), salientou a “importância histórica do dia de hoje”, uma vez que desde 1953 que o relógio não se aproximava tanto do “apocalipse”. “Em 2016, os líderes mundiais não só falharam na negociação adequada dos perigos, como o risco de uma guerra nuclear aumentou actualmente.”
“Os Estados Unidos e a Rússia – que possuem mais de 90% das armas nucleares no mundo – estão numa quantidade ímpar de teatros de guerra, como na Síria, na Ucrânia e nas fronteiras da NATO. Ambos continuam a modernizar em grande quantidade as suas armas nucleares e a controlar fortemente o armamento.”
Além destes dois países, também a Coreia do Norte foi referida, devido aos testes nucleares que tem vindo a fazer. As ameaças nucleares apontadas pelos cientistas também se estendem a países como a Índia e o Paquistão.
Lawrence Krauss também salientou a importância da cibertecnologia, a propósito da falta de segurança na Internet e do perigo das notícias falsas. Já David Titley, da Universidade da Pensilvânia (EUA), centrou o seu discurso nas alterações climáticas, a propósito da subida do nível do mar e do aumento da temperatura na Antárctida.
“Garantir no futuro que a temperatura não sobe para níveis catastróficos requer uma redução das emissões dos gases com efeito de estufa além dos acordados em Paris [em 2015], ainda que conferência do clima em Marraquexe tenha havido pequenas cortes”, lê-se no comunicado. Lawrence Krauss deixou ainda uma mensagem: “A Administração de Trump precisa clara e inequivocamente de aceitar as alterações climáticas, causadas pela actividade humana, como uma realidade.”
A chamada de atenção a Donald Trump foi geral: “A situação no mundo tem sido ameaçadora devido ao cenário dos nacionalismos em crescimento em 2016, incluindo a campanha presidencial nos Estados Unidos, e depois com a vitória de Donald Trump, que fez comentários perturbadores sobre o uso e a proliferação das armas nucleares e de afirmações de descrença sobre o impressionante consenso científico relativo às alterações climáticas”, refere ainda o comunicado.
O alerta mais efusivo veio de Lawrence Krauss, que se dirigiu não apenas a Donald Trump, mas também a Putin. “O Presidente Trump e o Presidente Putin podem escolher agir em conjunto como políticos ou como crianças petulantes, e desta forma arriscam o nosso futuro.” Dirigindo-se a todos nós, disse ainda: “Pedimos a todas as pessoas que se manifestem e enviem uma mensagem aos nossos líderes, que estão a ameaçar desnecessariamente o nosso futuro e o futuro das nossas crianças.”
Já se esperava este resultado. Também houve uma votação aberta a todos no site do Bulletin of the Atomic Scientists. Nessa votação, 78% dos votantes apostava que os ponteiros do relógio se deslocariam para menos de três minutos, 11% que se movimentariam para mais de três minutos e 10% que ficariam nos três minutos.