Fosse eu um poeta renascentista, lembraria o 8 de janeiro de 2023 com um verso simbólico: Não grite a sua felicidade, pois a inveja tem o sono leve. Decorrente da vitória da democracia, a inveja surgiu exatamente na semana em que a esperança voltava a reinar no país. Como prefiro o lirismo, opto por algo menos dramático e muito mais abrangente: janeiro de novo “oitou”, a luz não se apagou, o Brasil se animou, o povo sonhou e a democracia não melou. Na poesia cabocla, não há hipótese de imaginar que hoje será um dia de festa para a maioria dos 213 milhões de brasileiros. Também não será para a minoria. Resposta ao fracasso do golpe, o 8 de janeiro é, para uns e para outros, de memória triste e de suma importância para futuros livros de cabeceira de vencedores e, principalmente, de vencidos.
Portanto, vejo a necessidade de lembrar para não esquecer como a principal (senão a única) justificativa do ato desta quarta-feira. Data escolhida para condenar a violência e celebrar a liberdade, o 8 de janeiro de 2023, o de hoje, o de 2226 e o dos próximos dois milhões de anos certamente ficarão na lembrança de todos como o dia da maior afronta à democracia e da maior expressão do autoritarismo no século 21. E não foi menor do que a experimentada pelo mesmo Brasil em meados do século 20. Diante da sucessão de erros de alto abaixo, a ferida provocada pelos defensores “do que é certo” provavelmente levará anos para ser cicatrizada. Tudo em nome de um reacionarismo tacanho e patrocinado pela elite e seus prepostos travestidos de populares.
Era – e é – a chamada horda de “patriotas” do Brasil paralelo que não tolera a tranquilidade do país. Conscientes de que perderam o bonde da história, é possível que até 2026 tentem de novo transformar a nação da paz e da alegria em um império de tristeza, de intranquilidade e de indecências políticas. Comandados por extremistas sem razão, sem votos suficientes e sem noção, os orixás sem rumo do terreiro da escuridão e do conservadorismo golpista topam qualquer negócio para retomar o poder. Eles perderam, mas não se retiraram. Hoje faz dois anos que o Brasil deixou de andar para trás. Mesmo contra a vontade de expressiva parcela da população, caminhamos para o futuro. Resumindo a ópera golpista, ainda estamos aqui.
Pois é justamente esse futuro sem sobressaltos, de avanço socioeconômico e de consolidação democrática do país o maior incômodo dos que querem negar a liberdade à maioria. É a velha história de que a paz alheia aborrece e desassossega os amargos e os que vivem de ameaças por conta de uma eterna infelicidade. Valho-me da velha máxima de que quem é feliz não atazana ninguém. Aliás, desculpa perturbar, mas preciso dizer àqueles que se mantêm inconformados com a derrota em 2022 que eu prefiro incomodar com a verdade do que agradar com adulações.
Ainda que vivam uma situação de precariedade e de frustração social, política ou econômica, os sábios e felizes conseguem aguardar o tempo necessário para mudar e para serem o querem ser. Apesar da aflição e do medo do retorno da escuridão aos céus de Brasília, os amantes da liberdade souberam esperar quatro anos para, enfim, comemorar, sem alvoroço, quebra-quebra ou vandalismo, a volta do Brasil à condição de referência internacional. Silenciosamente, o grito da multidão foi em defesa da esperança e contra cópias sem definição e de conteúdo duvidoso.
Recolhidos, mas não satisfeitos com os novos rumos do país, a ordem da horda é desconstruir o que está pronto e, se possível, destruir a democracia conquistada com o sangue e o suor de brasileiros que certamente preferem qualquer coisa ao inferno do despotismo. E não importa que o déspota sonhado pelos “patriotas” agitadores não tenha cultura, farda ou cassetete. Basta que ele traga no peito crença, ódio e insensatez e que, ameaçado por uma nova derrota, aperte o botão da bomba que, por enquanto, não passou de um traque.
A comemoração do segundo aniversário do 8 de janeiro simboliza a exaltação da vitória contra a conspiração vazia, deplorável e desonrosa. Aquele domingo de 2022 também simboliza o dia em que o Diabo baixou no Cerrado, mas foi contido pelo Deus acima de todos. Foi a prova definitiva de que o povo brasileiro não precisa de governantes raivosos e com ideais individualistas para comandar os que defendem a integração nacional e, por consequência, a vida daqueles que estiveram marcados para morrer.
Aos que teimam em se somar aos agitadores que não se cansam de declarar guerra à democracia, sugiro estudar a essência de uma frase antologicamente cunhada por Abraham Lincoln: “Se a ditadura não é ruim, nada é ruim”. Nada como lembrar aos revoltosos sem causa uma outra frase. Escrita pelo inesquecível e simbólico Barão de Itararé, a locução deveria servir de bordão por todos os brasileiros, inclusive pelos que hoje simulam viver em um país que não é o deles: “O Brasil é feito por nós. Está na hora de desatar esses nós”. Felizmente o amor está no ar. O melhor de toda essa triste história é que eu, nós e o Brasil ainda estamos aqui.
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*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978