Ando tão estressada, que a paciência resolveu dar um passeio por outras localidades. Desconfio que seja por conta do inferno astral, que, segundo os especialistas, acontece nos trinta dias que antecedem o aniversário do vivente. O problema é que meu aniversário é somente daqui a seis meses. Teria sido eu agraciada com trevas prolongadas?
Outra possibilidade, esta levantada por minha mãe, seria a iminência da menopausa. Mas como, se mal cheguei aos 30? Entretanto, as probabilidades me afastavam dessa hipótese. Seja como for, tratei de marcar consulta com especialista, que me passou vários exames, que descartaram que as regras estariam próximas ao fim. Então, nada de retirar absorventes da lista de compras do mês.
Um terceiro caminho foi apontado por meu irmão. Ele, que sempre foi o queridinho da família, teve a petulância de conjecturar que seria por carma de família. Isso como se ele fosse o bonitão sem problemas.
— Rodolfo, por favor! Me poupe!
— Renata, mas você não acha isso plausível?
— Plausível é a…
Não preciso dizer o que o traste escutou de mim, mesmo porque temos a mesma mãe. Quer dizer, a dele sempre foi amorosa, enquanto a minha só me reservou pancada.
Henrique, meu marido, acostumado com minhas mudanças de humor durante a TPM desde os tempos de namoro, sempre soube lidar com o rojão. Devo reconhecer que ele, ao contrário de mim, tem a paciência como dom e a paz como filosofia de vida. Quase um monge tibetano, eu diria, ainda mais diante de certas patadas que recebeu ao longo de quase oito anos de relacionamento.
Não faz muito tempo, quando estava concluindo a minha dissertação de mestrado, andava com os nervos à flor da pele e quase sem tempo para comer direito. Henrique, certamente me percebendo muito abaixo do peso costumeiro, resolveu preparar estrogonofe com arroz branco, que eu adoro. O problema é que a minha cabeça estava completamente voltada para o estudo.
— Renata, meu amor, você não quer comer um pouco antes de terminar sua dissertação?
— Se você não tiver paz pra oferecer, Henrique, por favor, ofereça distância.
Nem percebi tamanha grosseria quando tais palavras saíram da minha boca. Foi somente à noite, quando finalmente terminei de escrever a tal dissertação e fui pedir para o amor da minha vida lê-la, que me bateu aquela fome.
— Acho que vou fazer um sanduíche. Você quer também?
— Amor, ainda tem estrogonofe na geladeira. Quer que eu esquente pra você?
O estrogonofe. Gente, como é que fui me esquecer? Uma avalanche de culpa se apoderou de mim e, não tardou, as lágrimas se misturaram aos soluços. Henrique deixou de lado a leitura do meu trabalho final e foi me abraçar.
Jantamos juntos e, depois, fomos para o quarto. Logo adormeci, enquanto Henrique passou boa parte da noite entretido com a leitura da minha tese. Quando despertei, olhei para o celular para ver as horas. Quase nove horas. Meu esposo não estava na cama. Curiosa, fui à cozinha, onde o encontrei.
— Bom dia, meu amor! Preparei bolo de cenoura pra comemorarmos. A dissertação ficou incrível!
Rememorando todas essas coisas, percebo que o motivo dessa angústia que está me consumindo seja decorrente da necessidade de retomar os estudos. Chegou a hora de fazer meu doutorado.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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