Não há nada mais brasileiro do que uma boa novela. E não há nada inegavelmente mais brasileiro do que um ônibus lotado e pessoas falando sobre novela.
Foi em um ônibus lotado desses, em Brasília, que a reportagem de Notibras procurou ouvir dos brasilienses suas opiniões sobre a trilha sonora que embala a abertura da novela das 21h, que já foi das oito, “O Outro Lado do Paraíso”.
Você conhece? Se não, fique sabendo que a letra é de ninguém mais, ninguém menos que Renato Russo. O nome da canção, anote aí: “Boomerang Blues” – mais uma obra do nosso eterno gênio da música.
– Você conhece a trilha sonora, Antônio Serafim?
– Conheço a música e a novela, mas não sabia que era do Renato Russo, responde.
Antônio é cobrador de ônibus há dez anos. E foi neste coletivo realmente entupido, com gente prensada contra a porta e um sujeito de cócoras em cima do motor, quase no colo do motorista, que conhecemos o personagem de 42 anos e sua opinião sobre a canção deixada por Renato Russo.
“Novela que tem música linda assim, que nem a de abertura do “O Outro Lado do Paraíso”, é sempre maravilhoso de ver e ouvir”, diz Antônio Serafim.
Foi ainda nessa conjuntura clássica do transporte local, que flagramos um senhor se oferecendo para segurar as bolsas das moças ao redor, um garoto que acabara de comprar esfirras e parecia constrangido com o embrulho no colo, torturando olfativamente seus companheiros de ônibus. E havia ali, ainda, gente que dormia sentada e caía para a frente nas curvas que fazia o coletivo.
Com uma dessas pessoas recém-acordadas, e com um fone de ouvido adornando as orelhas, também conversamos. Nosso alvo: Ivonete da Fonseca, secretária, 32 anos. Questionada sobre a trilha da novela, afirmou, taxativa: “Ouvi, achei linda e fui pesquisar na internet quem é que cantava. Descobri que era do Renato Russo. Eu nem sabia que tinha música dele por aí sem ninguém conhecer”. Rápida no gatilho, ela colocou a música para tocar no YouTube de seu smartphone.
Os convivas ao redor de bate pronto reconheceram a canção. Escutaram atentamente. O som poético de Renato Russo que aos poucos emanava pelo ambiente logo foi interrompido por um sonoro “Próximo desce!”, seguido de um “Vai descer, motô!”, repetido em coro por cinco ou seis pessoas.
Ivonete da Fonseca brinca com a interrupção da música: “Se eles soubessem o quanto essa música é boa eles nem desciam, vinham escutar”. O aviso de Ivonete de nada adianta. A movimentação ali continua acelerada.
Há gente que precisa descer sem ter que descer, só para dar passagem aos que vêm atrás, gente que dá sinal na última hora e passa rasgando as bolsas dos concidadãos. Quando consegue escapar, saltando os degraus e ganhando a rua, por pouco não emite um “plop!”, feito uma aliviada rolha de vinho. Os restantes se reagrupam enquanto mais três pobres almas adentram pela frente.
Nessas situações, o cobrador é um estrategista, orientando passageiros a irem para o fundo do veículo a fim de liberar o corredor. É ele quem diz: “Um passinho para a frente, por gentileza”, diante de risos histéricos dos presentes. “Tem um espaço ali no canto. Vamos colaborar aí, pessoal”, ele pede, fingindo não ouvir os comentários sarcásticos do tipo “senta no meu colo então” e “debaixo da roda cabem dois”.
Enquanto a vida segue acelerada nesse coletivo brasiliense, Ivonete da Fonseca faz questão de continuar escutando e cantando em alto e bom som mais uma poesia sonora da safra de Renato Russo. Um alento para aquele cotidiano muitas vezes sofrido. E um alento e tanto para esta repórter que tomou um ônibus tão cheio, mas tão cheio, que foi prender o cabelo e acabou amarrando junto o cabelo da moça que estava atrás.