Às vezes, de tão envolvidos em nosso próprio ambiente, parece não vermos a realidade além de nós. Nos últimos dias, eu me senti como em um novo Brasil.
Há muitas décadas, não vemos uma devastação tão abrupta e alarmante como a que está sofrendo o povo gaúcho. Em menos de uma semana, 431 de suas 497 cidades praticamente submersas.
São 1 milhão 472 mil de pessoas afetadas. Ao menos 395 mil fora de suas casas, que estão tomadas pelas águas. O último registro aponta 136 mortes, além de feridos e desaparecidos.
Ainda não há como levantar os prejuízos das empresas e famílias. O que encontrarão em suas casas os que foram forçados a abandoná-las? O que poderão aproveitar? E as lojas e seus estoques?
Boa parte da produção agrícola foi comprometida.
Mas hoje o que se discute são as vidas. Um dos problemas mais sérios é a indisponibilidade de água. Se é assim no meio urbano, dá pra imaginar as condições de vida em aldeias indígenas e quilombos do Rio Grande do Sul.
O que me anima é ver, por outro lado, uma mobilização sem precedentes para minorar o seu sofrimento.
O governo federal envolveu nesse esforço as três forças armadas, a Força Nacional, a Polícia Rodoviária Federal e um efetivo considerável da Polícia Federal. Profissionais de saúde também foram deslocados para a região e foram implantados hospitais de campanha.
Diversos estados também enviaram efetivos das polícias militares e bombeiros. A mobilização para resgate e transporte está contando com 81 helicópteros, sendo 53 de órgãos do governo federal, outros cedidos por diversos estados e um deles pelo Uruguai.
É enorme também a mobilização de voluntários e o apoio da sociedade. O restante dos helicópteros, por exemplo, foi colocado à disposição por empresas e pessoas físicas.
Ao lado disso, há outros recursos das forças armadas, como veículos terrestres, aeronaves, drones e embarcações. E uma infinidade de diferentes embarcações de propriedade privada.
Depois de conseguir direcionar um quantitativo substancial de recursos de emendas, o governo federal acaba de encaminhar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória abrindo um crédito de R$ 50,94 bilhões em favor do Estado.
O que também se observa é uma disposição incomum da sociedade civil em grande numero de estados para contribuir com recursos financeiros e doações de tudo o que pode faltar para a sobrevivência dos gaúchos.
Para se ter uma ideia, fui a um atacadista para comprar uma quantidade de água para mandar como doação e me deparei com outras pessoas com a mesma intenção.
Será que isso não passa de impressão minha? Que os brasileiros não estão realmente com essa atitude solidária?
Afinal, ao lado desse aparente envolvimento da sociedade, é notório que uma quantidade razoável de pessoas parece remar contra a maré.
Nos poucos dias desde que a calamidade se acomete sobre o Rio Grande do Sul, já foi possível observar uma disseminação incomum de boatos e mentiras, as fake news, em alguns casos sendo possível identificar os responsáveis:
🔸️Governo federal teria deixado de disponibilizar recursos para acudir as vítimas da inundação e teria despendido R$ 50 milhões com a apresentação de Madona.
🔸️Caminhões que transportam doações estariam sendo obrigados a exibir notas fiscais e, não dispondo delas, não poderiam prosseguir a viagem, sendo obrigados a pagar multas.
🔸️Estaria sendo exigida a comprovação de pagamento de impostos nas doações de remédios.
🔸️Teriam sido mostrados 2.000 corpos de pessoas mortas boiando em Canoas.
🔸️Teria havido o desabamento de uma rodovia no Rio Grande do Sul.
🔸️A Starlink seria a única internet que funciona no Estado.
🔸️As embarcações que estão prestando socorro estariam sendo impedidas de trafegar por conta da exigência de documentação.
🔸️O governo brasileiro teria rejeitado a oferta de cessão de aeronaves pelo governo uruguaio.
🔸️O governo teria desviado doações para Cuba.
O que fica evidente é que os responsáveis pela criação e disseminação dessas informações falsas não estão também comprometidos com o esforço coletivo para amenizar o sofrimento da população atingida pela inundação.
Ao contrário, com cada informação falsa, procura sabotar alguma providência que pode favorecê-la.
O mais chocante é que cada boato disseminado em redes sociais resulta em monetização para quem a promove, já que mantém ativo o seu público.
Mas, sendo esse o real interesse, talvez fossem menos nocivos se continuassem atraindo a atenção desse público com a cobertura das motociatas promovidas pelo ex-presidente Jair de Tal.