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Quimioterapia

Resfriamento de cerveja inspirou touca que reduz queda de cabelo

Publicado

Autor/Imagem:
Ludmila Honorato

A touca inglesa, equipamento que diminui a queda de cabelo durante tratamentos quimioterápicos, tem uma história triste, ao mesmo tempo bonita e curiosa por trás de sua criação. Conhecida como crioterapia, usada pela apresentadora Ana Furtado, a técnica abaixa a temperatura do couro cabeludo e tem como base a refrigeração da cerveja durante sua produção.

Nos anos 1990, o britânico Glenn Paxman passava por um momento difícil ao ver sua mulher, Sue, enfrentando um câncer de mama. Ela era forte, determinada e encarou a doença com uma atitude positiva, mas a queda de cabelo por causa da quimioterapia foi algo que deixou a família arrasada.

Segundo Glenn, o momento mais devastador para a vida de Sue após o diagnóstico foi quando ela acordou pela manhã e viu as mechas de seu cabelo no travesseiro. “Foi a primeira vez que ela, realmente, desmoronou e chorou”, contou ao E+. Para os filhos, ver a mudança física na mãe “era como um anúncio de que ela não estava bem, uma bandeira que diz ‘eu tenho câncer'”.

“Não é só vaidade, é mais complicado do que isso, seja a mulher jovem ou de mais idade”, diz o oncologista Gilberto Amorim, coordenador do Oncologia D’Or, especialista em câncer de mama. “Psicologicamente, é muito impactante, a perda de cabelo se torna mais dramática do que o próprio diagnóstico e cirurgia. É assustador”, completa. O médico atende pacientes com câncer de mama há 24 anos e há dois trabalha com a touca inglesa da Paxman.

“A possível diminuição de forma significativa da perda é importante. A touca resolve o problema da maioria. Em alguns protocolos de quimioterapia, a paciente não vai conseguir manter o cabelo perfeito, mas é possível amenizar em proporção significativa”, afirma.

Na época em que Sue fez o tratamento, ela chegou a usar um dispositivo que resfriava seu couro cabeludo, mas não obteve melhora. A ineficácia desse aparelho impulsionou Glenn a descobrir o motivo e fazer algo que desse resultados satisfatórios.

O resfriamento do couro cabeludo como prevenção à queda de cabelo decorrente da quimioterapia tem sido usado por mais de 50 anos. Vários métodos foram utilizados, como bolsas de gelo, capacetes com gel e dispositivos de refrigeração do tipo ar-condicionado. Todos têm o mesmo princípio: reduzir a temperatura na região da raiz dos fios capilares a fim de protegê-la dos efeitos nocivos dos medicamentos usados no tratamento.

Em busca de algo que impedisse até 100% da queda de cabelo, Glenn procurou o médico consultor em câncer de mama da família, Richard Sainsbury. O especialista o ajudou com informações para entender a ciência médica por trás do tratamento quimioterápico.

“Consegui estabelecer rapidamente os princípios do sistema de refrigeração que não funcionou em Sue e percebi imediatamente que era muito semelhante a um refrigerador de cerveja”, disse. Ele tinha uma cervejaria familiar no Reino Unido há alguns anos, e a essência era manter, tanto a cerveja quanto o couro do cabelo, a uma temperatura determinada, sem grandes variações.

Glenn buscou, então, o apoio do irmão Neil, um especialista em refrigeração de cerveja. “Desde aquele momento até os dias atuais, ele e eu temos desenvolvido os sistemas juntos”, contou. O produto levou alguns anos para ser totalmente elaborado. “Enquanto Sue estava passando pelo tratamento de câncer, criar novos produtos não estava no topo da agenda”, comentou Glenn.

Uma vez que os irmãos já tinham conhecimento sobre controle de temperatura, e o programa de refrigeração é algo simples, segundo Glenn, logo eles conseguiram produzir um sistema que fornecia um resfriamento cuja temperatura variava em torno de 0,5ºC.

A prova final viria quando pudessem testar em pacientes com câncer, o que foi possível por meio do consultor Sainsbury. “Ele estava interessado em usar nosso protótipo nos pacientes que, obviamente, consentiram. Os primeiros resultados foram muito encorajadores e nos guiou a um maior desenvolvimento do produto”, contou Glenn.

A primeira touca foi lançada em 1997. Só depois de pesquisas e testes clínicos é que os irmãos foram capazes de melhorar os resultados e eficácia. Com o apoio de profissionais de diversos centros médicos em diferentes países, eles puderam lançá-lo oficialmente. Em 2018, a empresa Paxman completou cinco anos de atuação no Brasil.

Na experiência do oncologista Gilberto Amorim, as mulheres que passam por um tratamento de seis meses tendem a aderir à peruca no final do primeiro mês se não usarem a touca inglesa. Com o equipamento, o cabelo ainda está praticamente inteiro no quarto mês.

A professora de natação Márcia Araújo, de 44 anos, tratou um linfoma de Hodgkin e manteve 100% do cabelo usando a touca inglesa. Em janeiro, ela retirou os nódulos e começou a fazer o tratamento em março, com oito sessões quinzenais de quimioterapia.

“Foi fantástico. Olhar seu cabelo e ver que valeu a pena não tem preço. Ajuda muito na autoestima e o tratamento fica mais leve”, afirma. Para que o resultado fosse completamente positivo, ela seguiu à risca todas as recomendações, como lavar o cabelo com água fria, mesmo no inverno, e não usar química nos fios. Outros cuidados envolvem manter o cabelo solto, ou usar laços de fita e prendedores macios, e beber bastante água no dia da quimioterapia.

Segundo Márcia, os primeiros dez minutos com a touca, a uma temperatura entre 18ºC e 22ºC, “são bem doloridos”, mas depois é possível se acostumar e o resultado compensa. Estudos da fabricante apontam que, de cada 100 pacientes, apenas dois desistem de usar o equipamento devido ao frio.

Além disso, em mais de 50% dos casos, os pacientes relataram diminuição da queda de cabelo a ponto de não precisarem usar lenço ou peruca. A eficácia é determinada mais pela não necessidade do uso de adereços do que por uma contagem de fios ou porcentual de queda.

No Brasil, a touca inglesa da Paxman está presente em 13 Estados e no Distrito Federal, com cerca de 43 mil sessões realizadas desde 2013. No mundo, mais de 100 mil pessoas em 64 países já utilizaram o produto desde 1997. Glenn diz que se sente “muito orgulhoso” de a touca ter ajudado tantas pessoas. Mas, para ele, há um significado pessoal muito mais importante.

“Sue não morreu em vão, ela deixou um maravilhoso legado. Se ela não tivesse tido câncer, se ela não tivesse perdido os cabelos, eu não teria desenvolvido a touca. Cada paciente que tem sucesso em manter seus fios é uma homenagem para Sue. O espírito dela vive em todos nós e é a força motora e inspiração por trás da Paxman. A vida dela foi interrompida, mas o benefício para os pacientes com câncer e para a sociedade é enorme.”

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