Joaquim das Couves adorava cartas. Aliás, antes que alguém possa pensar que seu nome era mesmo esse, já lhe digo que não. Chamava-se Joaquim Manoel de Almeida. No entanto, como era dono de uma banca de frutas e legumes na feira, acabou ganhando essa alcunha, que carregava por todos os cantos. Vendia ovos caipiras também. Mas, como já havia o Zé do Ovo bem ali na outra barraca, ficou das Couves mesmo.
A despeito de couves, cenouras, tomates, alfaces e ovos caipiras, Joaquim gastava seu tempo livre com algo fora de moda. Apaixonado desde sempre por cartas, pegava uma boa quantidade de folhas e danava a derramar um monte de palavras sobre elas. Caprichosamente delineadas, pois não queria causar dúvida ao destinatário quanto aos dizeres. Jota era jota, gê era gê, todos os emes com três perninhas. Quanto aos enes, cabiam-lhes apenas duas.
É verdade que quase não mais recebia missivas, mas isso não o desanimava. Final de tarde, o homem se sentava à mesa da sala e, rodeado dos apetrechos necessários, tratava logo de escrever, escrever, escrever. E, caso as ideias lhe faltassem, bebericava o café ao lado, cuidadosamente preparado no antigo coador de pano. Não se sabe se era por hábito ou milagre, mas os pensamentos lhe corriam que nem os caudalosos rios em direção ao mar.
De vez em quando, Joaquim consultava aquele calhamaço, que havia ganho de presente de um antigo funcionário dos Correios, em busca de um CEP. Colocava os óculos e os empurrava até a ponta do nariz. Virava as folhas fininhas, enquanto o indicador fazia uma busca até a almejada linha. Pronto! Anotava cuidadosamente no verso do envelope: 90150-002.
Às segundas-feiras, dia de folga no trabalho, juntava aquelas dezenas de envelopes e caminhava até a agência dos Correios. Como se tratava de hábito, bem que poderia comprar um monte de selos, colá-los e despachar as cartas numa caixa mais próxima. Não! Fazia questão de esperar na fila e ser atendido por qualquer um dos funcionários. Não importava qual, pois todos o conheciam de longa data.
— Como vai, seu Joaquim?
— Oi, Marcos. Tudo bem. E com você?
— Tudo bem também. Vejo que hoje temos 34 cartas. Parece que o senhor vai ter muita coisa para ler quando receber as respostas.
Joaquim sorria por hábito. Na verdade, há mais de dois anos não recebia uma carta sequer. De vez em quando, sejamos justos, recebia o telefonema de algum destinatário ou mensagem via algum aplicativo eletrônico. Nada além disso.
O feirante voltou para casa pelo caminho de costume. Passou no mercadinho da esquina e comprou um pacote de pó de café. Do melhor, praticamente a única extravagância de uma vida tão simplória.
Assim que abriu a porta da residência, notou um envelope diferente junto a tantas contas para pagar. Olhos arregalados, pensou que aquilo era um sonho. Não era possível! Uma carta!
O homem não reconheceu o nome da remetente. Mas o sobrenome era conhecido. Fabiana Moretti. O endereço era o mesmo do seu amigo de juventude, Bruno, na longínqua cidade natal. Fabiana, certamente, era uma parenta.
Joaquim, de tão emocionado, depositou cuidadosamente a missiva sobre a mesa. Foi até a cozinha, colocou água na chaleira. Passou uma boa quantidade de café. Voltou à sala, sentou-se à mesa, despejou o líquido fumegante até a metade da xícara de louça florida. Deu um gole, mordeu o bigode com os lábios trêmulos, respirou profundamente.
Pegou seus óculos e os colocou como de costume. Com a carta em mãos, abriu cuidadosamente o envelope. Desdobrou as três folhas, como se desembrulhasse um presente há tanto esperado.
Já nas primeiras linhas, percebeu que Fabiana era uma das filhas de Bruno. Este, infelizmente, havia falecido há pouco mais de seis meses, após quase dois de ter entrado em coma. Joaquim se sentiu tocado pela partida do amigo, que jamais havia lhe respondido, a não ser por um ou dois telefonemas ao longo dos últimos cinco anos. Algumas lágrimas escorreram pelo rosto enrugado ao ler um trecho da carta.
“Sei que o senhor foi muito amigo do meu pai. Como sei disso? Bem, todas as vezes que lia alguma das suas cartas em voz alta, meu pai, mesmo em coma, sorria com lágrimas nos olhos.”
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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