O quadro do Dia da Independência ainda não foi concluído. Talvez nunca seja. Se depender da caricatura de modelo, quem sabe isso ocorra em uma próxima encarnação presidencial. Ou seja, muita água deverá rolar sob e sobre a ponte até que os pintores principais (os eleitores) resolvam mudar a tonalidade da paisagem, trocar a moldura ou radicalizar e cobrir o cenário com um verde e amarelo mais plural. A verdade é que, quase duas semanas após o dia que não terminou, está claro que a imagem de paz e amor é apenas mais uma das centenas de caras do governo do cercadinho. A postura – ou a falta dela – continua a mesma. Para o bem do Brasil, o que mudou foi a percepção do povo. Durante meses ensandecida pela peculiar forma de atirar do mito, boa parte dos brasileiros começa a perceber e a entender que, antes de qualquer coisa, o país precisa é de um governante.
A maior percepção é bíblica. Não por acaso Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo. É claro que os dias da criação do mundo não são literais. Na interpretação alegórica, haviam as noites, usadas para que fosse pensado o tipo de pessoas que seriam “despachadas” para essa ou aquela nação. Sem vulcões, terremotos, maremotos, tsunamis ou similares, a Terra Brasilis recebeu inicialmente o descobridor Cabral e, por fim, o messias Jair, o mesmo que quer continuar fazendo o que nunca soube. Para não cometer injustiças, também registro a presença entre nós de saudosas personalidades como Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas, Ayrton Senna, Nara Leão e Pixinguinha e de figuras impolutas e imaculadas como Roberto Jefferson, José Sarney, Michel Temer, Fernando Collor, Joaquim Roriz, Madame Satã e Fernandinho Beira-Mar.
Sei que serei cobrado pela ausência de outros baluartes de nossa cultura político-econômica popularesca, afanadora, desconexa, absurda e fora da curva da seriedade. Mereço os xingamentos silenciosos, mas me desculpo utilizando o argumento da falta de espaço e, sobretudo, a razoável máxima de que as pessoas deliberadamente esquecidas já fazem parte do amaldiçoado e diário vocabulário dos meus críticos. Decidi poupá-los apenas por essa razão. Entretanto, mesmo que tivesse algum poder, jamais os livraria do juízo final. O julgamento físico e espiritual alcançará a todos. Ele (o julgamento) é resultado de nossas ações e pode ter variados sinônimos. Um dos mais conhecidos responde pelo vocábulo troco, cujo significado formal é o revide por um gesto, falha ou ofensa cometidos.
Para os menos céticos, é o mesmo que a lei de causa e efeito. É o toma lá, dá cá. Para sorte do Brasil, o quadro imaginado para o recém-findo 7 de Setembro ficará limitado a um desfocado e tosco retrato 3×4. Talvez nem haja parede para pregá-lo. Minha intenção inicial era escrever especificamente sobre a fantasmização do presidente que um dia se achou acima do bem e do mal, acima de qualquer suspeita. Enquanto buscava fórmulas celestes ou mágicas para tentar tornar menos triste nossa divina comédia bolsonariana, sou despertado com números atualizados da corrida eleitoral do ano que vem, também conhecido por 2022, ano de uma nova mudança.
Sinceramente, não foi nenhuma surpresa a informação da estabilização do quadro, mesmo depois do aquecimento da crise ou do surgimento de outros postulantes. A crise está instalada desde o primeiro dia de governo e os “novos nomes” são muito mais conhecidos do que a nota de R$ 200. Eu nunca tive uma nas mãos. Voltando à louca tese do troco, o atual presidente da República é reprovado por 53% do eleitorado nacional. Nada mal para quem tinha 51% de rejeição na consulta de julho. O que são dois pontos percentuais em um levantamento que aponta uma diferença de 25% na derrota em eventual segundo turno para aquele ex-presidente que muitos juraram nunca mais votar?
Novamente sou obrigado a usar a lei de causa e efeito. Em 2018, o povo queria algo novo e bom. Por isso, um ganhou porque o outro era odiado. Em 2022, parece que o velho e ruim voltará à ribalta. O eleitor está próximo de escolher o odiado porque ficou provado que o ódio do que era bom é muito maior do que a ruindade do que era ruim. Em outras palavras, vento que venta lá venta cá. A verdade é que, assim como no 7 de Setembro, está faltando público para sonhar com a ditadura. Eita coisa boa esse tal de um dia atrás do outro. Melhor ainda é a noite no meio para pensarmos. Deus fez assim. E assim será.