Nesses tempos difíceis e impopulares para boa parte dos brasileiros, muita gente tem se apegado aos ditados populares ou textos apócrifos para rir, refletir, imaginar dias melhores ou, na melhor das hipóteses, torcer contra determinadas coisas. Frases ou expressões que transmitem conhecimentos de geração em geração, os provérbios têm origem na antiguidade e normalmente se baseiam no senso comum. Entre os mais utilizados no cenário político de Brasília, alguns usam a cobra e sua peçonha para justificar situações temerosas ou preocupantes. Um deles diz que Deus não dá asas a cobra. O significado poderia ser Deus não dá poder às pessoas que não o merecem.
Como as cobras realmente não voam – algumas até saltam -, melhor que não pesquisemos para evitar que cheguemos ao mais peçonhento dos ditos: a cobra vai fumar, usado quando uma pessoa quer alertar outra sobre a consequência ruim de uma ação. Na prática, é uma ameaça. Após selar compromisso político-eleitoral com o Centrão, o presidente da República fez isso esta semana ao responder, na abertura do ano legislativo, xingamentos da oposição. Com outras palavras, Jair Bolsonaro deixou claro o seguinte: vou trucidá-los em 2022. Pode ser. Não foi ouvido ou a imprensa canalha não captou sussurros do tipo: cão que ladra não morde, a pressa é inimiga da perfeição e só o peru morre na véspera. De qualquer maneira, nunca é demais lembrar que seguro morreu de velho e que cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
O presidente estava no plenário da Câmara – seu habitat por 28 anos -, local de sibilos nem sempre silenciosos e onde raramente a união faz a força. Pelo contrário. Nas duas casas do Congresso, o que vale é a máxima de amigos, amigos, negócios à parte. Para bom entendedor, meia palavra basta. Câmara e Senado deveriam ser casas de atos, mas são muito mais conhecidas como reservados de fatos. Obviamente não são sonorizados, mas, nos acertos de bastidores, corre à boca pequena que o mais simplório dos parlamentares já aprendeu o ditado mais comum nos corredores sombrios do Parlamento: farinha pouca, meu pirão primeiro.
Qual o erro disso? Nenhum. Como nós os elegemos, eles fazem tudo isso em nosso nome. Então, nada a reclamar. Devemos, isso sim, esperar 2022, como lembrou o presidente da República, e mostrar que água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. O que temos hoje é um quadro em que a sucessão presidencial está posta desde 1º. de janeiro de 2019, data da posse de Bolsonaro. Como onde há fumaça há fogo, se nada mudar, o único candidato definido é o próprio. O derby eleitoral ainda está longe. Entretanto, independentemente do viés político do próximo ocupante da cadeira palaciana, qualquer analista ou eleitor leigo pode cravar que, em 1º. de janeiro de 2023, o Centrão de Arthur Lira (PP-AL) estará na base de apoio do eleito. Afinal, filho de peixe, peixinho é.
Se nada mudar, permaneceremos no é dando que se recebe. O condicional parece improvável, mas é possível. Impossível foi imaginarmos que um dia veríamos Luiz Inácio preso, Dilma fora do governo, Eduardo Cunha na penitenciária, Temer recolhido, Cabral condenado, Witzel defenestrado na metade do primeiro ano de governo, o evangélico Crivella acusado de corrupção, a demissão de Sérgio Moro e o melancólico fim da Operação Lava Jato, conjunto de investigação contra propinodutos que movimentaram bilhões de reais em governos recentes. Parece que são todos farinha do mesmo saco. A afirmação não é uma tese de mestrado ou resposta a uma pergunta de múltipla escolha do Enem.
Trata-se do DNA da maioria política, engajada no grupo viciado em[CC1] favores governamentais. Na prática, o que é o Centrão? É o conjunto de partidos sem orientação ideológica específica e que tem por objetivo assegurar proximidade com o Poder Executivo, de modo a garantir vantagens que permitam a seus integrantes distribuir privilégios por meio de redes clientelistas. Utilizando termos mais compatíveis com o dia a dia, o que eles fazem – e bem – é jogar o jogo da política nacional, ou seja, agiotagem com respaldo constitucional. Como alterar o jogo? Modificando o plantel. Simples como o resultado de 2 mais 2.
Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe, tampouco se faz omelete sem quebrar ovos. A ordem é esquecer que o pior cego é o que não quer ver. Em 2022, o eleitor voltará a ter a faca e o queijo para, dando uma de João-sem-braço, parar de tapar o sol com a peneira. Além do voto, todos têm o hábito e a capacidade de fazer o monge. São contribuintes escaldados com medo de água fria. Por isso, é chegada a hora de fazer valer que a voz do povo é a voz de Deus e mostrar que nem tudo está perdido. Uma andorinha só não faz verão, mas, juntos, certamente os 150 milhões de eleitores aptos a votar poderão mostrar aos políticos brasileiros que quem ri por último ri melhor. Não esqueçam que, depois de abertas as urnas, não adianta chorar pelo leite derramado.
*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978