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Rio de Janeiro faz mutirão de adoção de crianças na semana do Dia das Mães

Nielmar de Oliveira

Cerca de 100 processos de adoção estão sendo julgados pela 1ª Vara de Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e novas famílias já poderão sair neste final de semana com a certidão de nascimento das crianças.

A iniciativa, que vai ocorrer todos os anos também na semana que antecede o Natal, tem como objetivo diminuir para menos de seis meses o tempo em que as famílias esperam para receber seus filhos, em definitivo, já com a sentença da adoção.

À frente da ação está o juiz Pedro Henrique Alves, titular da 1ª Vara, que informou à Agência Brasil que a ideia é dedicar as duas semanas anuais à adoção, sempre no período que antecede o Dia das Mães e o Natal, sem prejuízo das audiências normais que acontecem ao longo do ano.

Henrique Alves, que assumiu a 1ª Vara há dois anos e três meses, disse que, desde então, o trabalho da Vara da Infância da Capital vem dando prioridade à adoção, como forma de reduzir o tempo de espera das famílias, diminuir o número de crianças e adolescentes acolhidos e propiciar aos mesmos um lar onde possam viver em convívio familiar.

“Nós entendemos que o lugar da criança e do adolescente é no seio da família, de preferência em sua família de origem. Mas se não for possível na sua família de origem, que seja então numa família substituta através da adoção. Neste sentido, implementamos um trabalho para dar celeridade ao processo, que resultou neste mutirão, na semana que antecede o Dia das Mães”.

O magistrado informou que iniciativas tomadas no âmbito de sua jurisdição vem reduzindo o número de crianças e adolescentes acolhidas para fins de adoção. “Na primeira audiência concentrada, que fizemos no final do ano passado nós tínhamos 210 a 212 crianças acolhidas. Neste de agora, são cento e noventa crianças. Nós esperamos que na próxima audiência concentrada que realizaremos, daqui a seis meses, a gente tenha reduzido este número para algo em torno de 170 processos.”

Expectativa

O juiz Pedro Henrique Alves disse que o tempo de espera das famílias pela adoção ainda não é o ideal, mas segundo ele, acontece em grande parte porque a maioria das famílias tem um “ideário” de adoção que dificulta o processo, daí a realidade da 1ª Vara, que ainda tem que tocar adiante processos de logo data.

“Nesta audiência concentrada que acontece no mutirão, estamos julgando todos os processos maduros para julgamento. Levantamos todos casos e há processos de 2008, 2007 e até de 2005. “A nossa expectativa é de que todos os processos que estão sendo apreciados sejam resolvidos. São processos maduros, e esperamos que todos tenham sentenças já definitiva e todas as crianças já saiam no mesmo dia com sua certidão de nascimento à mão.”

Segundo o juiz, no ano passado cerca de 100 crianças foram adotadas. A expectativa este ano, com os dois mutirões, é de que este número dobre. “A nossa expectativa é zerar todos os processos de adoção na 1ª Vara de infância. Mas quando falo em zerar todos os processos, estou me referindo àqueles que já estão maduros, porque pode acontecer de estar sendo realizado um mutirão, mas o processo de adoção está no início, daí ele não entra, porque ele tem que estar maduro e pronto para ser levado adiante.”

Branca de olhos azuis

O juiz titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, Pedro Henrique Alves, disse que existem hoje, em todo o país, no Cadastro Nacional do Conselho de Justiça (CNJ) para adoção cerca de 3 a 4 mil crianças e adolescentes. Paralelamente, do outro lado, há mais de 30 mil famílias ou pessoas na fila a espera de uma criança.

Números tão discrepantes assim revelam uma triste realidade: a maioria das famílias querem crianças pequenas, de preferência ainda bebês, brancas e de olhos azuis. Está discrepância entre oferta e procura esbarra em um detalhe constrangedor e que o magistrado chama de “perfil de preferência”.

“As pessoas escolhem um perfil de preferência: em geral querem crianças de pouca idade, ainda bebês, branquinhos e de olhos azuis. E nós não temos estas crianças para serem adotadas. Nós temos hoje, em nossos instituições, crianças lindas, maravilhosas, mas um pouco mais velhas e nem tão branquinhas assim”, ressalta.

Para o juiz não há dúvidas: “Se estes 30 mil que estão à espera mudassem um pouco o seu perfil de exigências, aceitassem crianças um pouco mais velhas, grupos de irmãos, crianças com pequenos problemas de saúde, nós não teríamos criança nenhuma acolhida. E aí o tempo de espera, hoje, em média de até cinco anos, cairia para apenas seis meses”

Ideal imaginário

“Eu não diria que existe segregação, preconceito, por questão de cor ou de qualquer outra espécie. O que existe é um ideal do imaginário. As pessoas quando vão adotar, olham no espelho e querem uma criança que pareça consigo mesmo: a sua imagem e semelhança, portanto. É por isto que eu chamaria de um ideal imaginário”, afirmou o juiz.

O magistrado cita o seu próprio caso para tentar explicar o problema. “Veja o meu caso: meu filho natural parece um pouco mais com a mãe do que comigo e eu sou um pouco mais claro que ela. Então, não tem que haver este tipo de problema, nós somos um povo miscigenado, um país miscigenado. E não tem que haver essa coisa de que eu sou branco e, portanto, meu filho terá que ser totalmente branco, da mesma forma que por ser negro uma pessoa tenha que ter um filho necessariamente totalmente negro”.

Para o magistrado, “não há dúvidas de que este ideário por crianças em idade ainda pequena, branquinha e de olhos azuis, dificulta o atendimento ao grande famílias que querem adotar uma criança. Quando você escolhe o perfil de um bebezinho branquinho e de olhos azuis você, na prática, vai ficar um bom tempo na fila de adoção.”

Para o magistrado, outro corte na pretensão à adoção dificulta o êxito dos que querem um filho, que são os grupos de irmãos ou de crianças com alguma doença ou limitação física. “Aceitando, por exemplo, grupo de irmãos: uma criança com um ano, outro com três e um, a terceira com cinco anos você encurta absurdamente o tempo de espera na fila do cadastro de adoção. Em vez de ficar três a cinco anos esperando, você ficaria apenas seis meses.”

Para o juiz Pedro Henrique, a solução para o problema é até bem simples e passa necessariamente pela tolerância. “As pessoas interessadas em adotar uma criança precisam ampliar um pouco mais o seu perfil de exigência. É bom pra elas, que ficam menos tempo na fila do cadastro de adoção e é muito bom para as nossas crianças e nossos adolescentes em um país de miscigenados e que dará oportunidade a um número muito maior de crianças. Isto é que é importante, porque todos precisam de muito amor, de muito carinho e em última análise de uma família que os receba com todo esse amor e carinho”.

No entendimento do titular da 1ª Vara da Infância, “se pudermos, enquanto seres humanos, fazer um trabalho dedicadas às crianças, estaremos contribuindo para um país melhor. Muitas pessoas ficam frustradas e é muito simplista ficar criticando o judiciário e a demora no processo de adoção, enquanto o problema maior é o fato de que as pessoas esperam uma criança que caiba no seu perfil de exigência e, em última análise, que caiba também em seus sonhos”.

Agência Brasil

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