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Genival e os cachorros

Riscado do mapa, velho ranzinza fica com Bela e Isa

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução/Wing

Genival era conhecido como o velho dos cachorros. Não que possuísse muitos, mas, não raro, era visto conversando com um ou outro na rua. Sempre acompanhado de Bela e Isa, suas duas vira-latas, ele era quase um ermitão. Quase! Não que não tivesse amigos, até os tinha. Não muitos, é verdade, talvez por conta do seu gênio um pouco difícil. Na verdade, muitos do bairro o consideravam intragável.

No edifício onde morava, Genival vivia se metendo em confusão com os vizinhos. Seja por conta do lixo orgânico misturado ao reciclável, seja por alguém ter estacionado o automóvel bem em cima da faixa, seja até mesmo por conta dos sons mais animados de alguns fazendo amor sem ter intenção de procriar. Uma verdadeira afronta aos bons costumes, o velho, cheio de razão, reclamava com veemência.

Aposentado há quase duas décadas, o ranzinza conseguiu arrumar confusão até com o padre Plínio, um homem quase santo, segundo o testemunho de todos que o conheciam. Pois foi num domingo, durante a missa de sétimo, eis que o velho interrompeu a fala de elogios à finada Doroteia. Genival não aguentou ouvir o padre Plínio dizer que a falecida faria muita falta, mas que seria acolhida no Reino dos Céus.

– Aquela bruxa vai direto pros Quintos do Inferno!!!

Foi um mal-estar completo na igreja. Todos, inclusive o Francisco, que até se dava com o Genival, ficaram constrangidos. Mesmo assim, tentou colocar panos quentes naquela situação. No entanto, antes que falasse alguma coisa, eis que o Genival se levanta e vai embora sem se despedir de quem quer que seja. Dizem que até Jesus, esculpido no enorme crucifixo de madeira logo acima do altar, teria ficado pasmo.

Não demorou, a notícia desse imbróglio correu todo o bairro. A péssima fama de Genival, como se isso fosse possível, piorou ainda mais. Os mais exaltados cuspiam no chão quando o viam passar, nem que fosse pela calçada do outro lado da rua. Ninguém queria mais contato com o velho rabugento. Ninguém o convidava nem para enterros, quanto mais para comemorações. Ele havia sido excluído de tudo, até dos grupos de WhatsApp. Nada de vida social para o encrenqueiro. Aquilo estava chegando a um ponto insuportável, quando, então, o bondoso padre resolveu ter um particular com o Genival.

Dizem que o encontro entre o religioso e a ovelha desgarrada teria acontecido numa esquina da cidade conhecida por não ter esquinas. Lá estava o Genival, acompanhado das inseparáveis Bela e Isa. Ele conversava eloquentemente com as duas, quando o padre Plínio se aproximou. Assim que percebeu a presença do sacerdote, Genival voltou seus olhos para as cachorras e continuou a tagarelar. O padre, a despeito de tal atitude de desdém, insistiu em conversar com o velho.

– Genival, você quer conversar?

– Já estou conversando com as minhas amigas.

– Sim, percebi. Mas você não quer mais conversar com as pessoas?

– Não! Agora só converso com os cachorros.

– Meu filho, mas por quê?

– Padre, amo os cães porque eles nunca me cancelam.

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