Robson, um típico bonachão, gostava de passar a semana entretido entre livros e discos de sambistas consagrados. Nos finais de semana, costumava receber alguns amigos para uma feijoada, caprichosamente preparada por Cida, a cozinheira que aparecia duas ou três vezes na semana.
O patrão, apesar de regular em idade com Cida, parecia no mínimo dez anos mais velho. Não que ele destoasse do padrão dos homens de sua idade, era ela que, talvez pelas longas caminhadas diárias, enchia de vigor as coxas torneadas, que certamente levavam o viço para o resto do corpo.
Não era domingo, mas um dia qualquer da semana. Robson acordou na hora de costume, certo de que encontraria Cida na cozinha. Que nada! A mulher, apesar do relógio na parede já dar quase dez horas, ainda não havia dado as caras. Provavelmente teria perdido a condução ou, talvez, tivesse tido algum contratempo, o que não era tão raro.
O velho tratou de preparar o próprio dejejum, antes que a úlcera resolvesse dar as caras. Duas torradas com mínimo de manteiga. Para acompanhar, o costumeiro café com leite, muito mais leite do que café, por sinal. Para adoçar, nada mais do que quatro gotas de adoçante. A dieta agradecia, mesmo que o sujeito a esquecesse na hora do almoço.
Por falar em almoço, Robson se lembrou de que havia convidado Luzia e a filha para almoçarem justamente naquele dia. O sujeito precisaria pedir algo, já que não sabia nada além de fritar ovo e fazer um arroz sem muitos atrativos. Sorte é que ele era chegado do Agnaldo, proprietário de afamado restaurante da região. Enquanto ainda pensava no que iria pedir, Robson foi surpreendido pelo toque do interfone.
— Oi, Luzia! Vou abrir pra você.
Em poucos minutos, a amiga e a pequena Aninha, no auge dos seus nove anos, foram recebidas por um sorridente Robson.
— Aninha, como você cresceu! Daqui a pouco vai me passar.
— Mas não quero ficar barriguda que nem você.
Invés de ficar zangado, Robson adorou a perspicácia da garota. Ele até concordou e, então, disse para as duas convidadas que a Cida havia faltado. O anfitrião perguntou o que elas queriam comer, pois ele iria fazer o pedido no restaurante do Agnaldo.
— Quero peixe, arroz, salada e batata frita.
— Também vou acompanhar a Aninha, Robson.
— Hum! Excelente! Mas vou pedir muita salada, pois quero entrar em forma.
Enquanto aguardavam a comida chegar, os três conversavam animadamente na sala. Nisso, a Aninha pediu para ir ao banheiro. Robson indicou o local e, então, a guria se levantou e foi em direção ao lavabo, quando, então, passou pela cozinha. Para sua surpresa, ela viu uma mulher de avental fazendo o almoço. A mulher olhou para trás e sorriu.
Aninha foi ao banheiro e, ao retornar, falou:
— Robson, acho que a Cida chegou.
— Sério? Nem ouvi.
Os adultos foram até a cozinha, mas não viram ninguém. Provavelmente, Aninha havia se confundido. Mas eis que ela descreveu detalhadamente a mulher, mesmo que nunca a tenha visto.
— Estranho. A Cida é assim mesmo. Provavelmente, deve ter ido na rua comprar algo. Vamos aguardar, então.
O tempo passou, mas nada da empregada aparecer. O almoço chegou e, então, a fome fez com que todos se esquecessem do ocorrido. Conversaram por mais algumas horas e, por fim, Luzia e Aninha se despediram.
— Robson, meu amigo, o próximo almoço será lá em casa.
— Combinado, Luzia.
No dia seguinte, Robson, consternado, telefonou para Luzia. Voz embargada, o velho contou que a Cida, quando estava saindo de casa na manhã anterior, foi atropelada por um carro desgovernado e morreu instantaneamente.
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