Rodrigo Santoro estava num momento particular. Havia perdido um amigo querido, que morreu de câncer. Estava virando pai. Isso tudo mexeu com ele, e Santoro resolveu que ia dar um tempo. Queria pensar um pouco, reciclar-se. Foi quando lhe chegou às mãos o roteiro de O Tradutor, enviado por dois irmãos cineastas cubanos, Rodrigo e Sebastián Barriuso. Insistiram para que ele lesse. Santoro estava relutante, mas foi só ler e ele mudou. “Vou fazer, quero fazer.” O Tradutor, que já está no circuito, baseia-se numa história real. Santoro interpreta Malin, um professor de literatura russa.
Começa com as imagens da visita de Mikhail Gorbachev à ilha. Com as sanções dos EUA, Cuba precisa mais do que nunca da ajuda da URSS. Mas ocorre a queda do muro de Berlim, o colapso do império soviético, as aulas de literatura são suspensas e Santoro, como outros professores, é locado como tradutor num hospital que abriga pacientes que foram expostos à radiação atômica de Chernobyl e estão morrendo. Cabe-lhe a ala infantil, o que termina por mexer muito com o personagem, que já é pai.
“Mexeu muito comigo também. Decidi que tinha de aceitar. O convite em si vinha carregado de desafios e dificuldades. Teria de falar russo e não teria uma janela muito grande para aprender a língua. Em um mês, já estaríamos filmando. Estudei muito o roteiro, aprendi a dizer minhas falas em russo, mas não era suficiente. Contraceno com crianças. A maioria era de crianças cubanas, que foram dubladas depois, mas o garoto que é o principal paciente falava russo. Como criança é muito espontânea, eu tinha de estar preparado para improvisar com ele. Deu um trabalhão danado, mas foi muito positivo.”
O próprio espanhol era outro desafio. “Quando fez o Che (de Steven Soderbergh), Rodrigo já havia estado em Cuba e aprendeu a falar nosso espanhol, que é um pouco cantado”, explicam os diretores. Malin, na verdade, chama-se Manuel Barriuso Andino e é pai da dupla. Na época do filme, havia somente Sebastián. A mãe é uma galerista de arte que começou a reclamar da dedicação do marido às crianças do hospital, acusando-o de negligenciar a família. Isso não a impede de engravidar de Rodrigo. O casal terminou por se separar. E apesar de toda a importância das crianças, do hospital e da solidariedade humana, o tema, o verdadeiro tema, é a crise do casal.
“O projeto nasceu de Rodrigo (Barriuso). Desde que começamos a fazer cinema, meu irmão dizia que a história de nossos pais dava filme. É muito intenso trabalhar num projeto assim. Todo projeto termina por ser autobiográfico, mas essa história nos diz respeito, nos afetou. Fizemos o filme para entender nosso pai, nossa mãe. E também para entender aquele momento da vida cubana. Nosso sistema de saúde sempre foi reputado como um dos melhores do mundo, até quem era contra o socialismo de Fidel Castro reconhecia isso. A crise de combustível, o racionamento de víveres, tudo foi paralisando a vida em Cuba, mas pessoas como meu pai e a enfermeira interpretada pela (atriz argentina) Maricel Álvarez continuaram emprestando seu idealismo ao programa de assistências às vítimas de Chernobyl, que prosseguiu até 2011.”
Santoro diz que não se trata só de um filme. “Acho que possui qualidade como cinema, mas aqui mesmo em São Paulo fomos convidados a debater o filme com profissionais de saúde e visitamos pacientes infantis em situação terminal. O Tradutor pede um comprometimento que não terminou para nenhum de nós.” E como foi para Santoro voltar a Cuba? “Peguei o país em outro momento. E desta vez não participava de uma megaprodução norte-americana, mas de uma coprodução local (com o Canadá, onde residem os diretores). A equipe era cubana, então eu conversava muito com a maquiadora, a figurinista. Como pai, trocava ideias, informações. É um povo muito alegre, hospitaleiro. Tudo está mudando muito rápido, mas quem ficou na ilha e não renegou o socialismo tem outro olhar para a vida, para as coisas. As pessoas ainda são atenciosas umas com as outras, mas o celular, a internet viraram verdadeiras febres. Isso não havia quando filmei o Che (em 2007).”
E Westworld? “Vamos começar mais uma temporada em abril. Na segunda quinzena, me reúno com o criador da série para discutir meu personagem. Nas temporadas anteriores, eu ia muito no escuro, porque a gente não recebia um roteiro prévio para ler, estudar. É tudo muito em cima, e as páginas dão conta só do personagem, das falas.” E a paternidade? “Mudou minha vida. A Mel (Frockowiak, sua mulher) tem a vida dela, mas sempre damos um jeito de viajar juntos. Quando fico fora, filmando, elas me visitam, se não conseguem ficar todo o tempo. A Nina (filha) me fez ver tudo diferente.” E o Brasil? “Justamente por causa delas, por ser pai, preocupo-me muito. Venho para cá e sinto uma insegurança enorme, não com a violência. Insegurança com o que está ocorrendo com esse país, com as pessoas. Todo esse ódio, esse ressentimento.” E o surfe? “É meu refúgio. Se não estou filmando, nem com as minhas mulheres, pode crer que estou no mar, pegando onda.” Leitura? “Agora, só neurociência, que tem tudo a ver com Westworld.”