Netflix chamou de “Dia da Experiência de Roma”. Em um domingo de dezembro, a gigante do streaming alugou dois palcos em um histórico estúdio de Hollywood para fazer publicidade de Roma, o filme de arte de Alfonso Cuarón sobre uma trabalhadora doméstica no México. Os eleitores do Oscar acompanharam uma mostra das roupas usadas no longa. Cuarón e sua equipe participaram por horas de painel de discussões.
Alguns votantes acharam um exagero. Foi certamente uma demonstração do quanto a Netflix quer um Oscar – e de quanta fé pôs na pessoa por trás do evento, uma estrategista chamada Lisa Taback. Aos 55 anos, ela é uma veterana de campanhas do Oscar que ganhou experiência na Miramax com Harvey Weinstein nos anos 1990 e cujo currículo inclui vencedores de melhor filme como O Discurso do Rei, O Artista e Spotlight – Segredos Revelados.
A contratação surpreendeu Hollywood, repercutindo nos níveis mais elevados dos estúdios rivais. A Netflix havia criado a própria operação de premiação, ao mesmo tempo que desferia um golpe nos concorrentes, com a admissão de Taback. E agora o dispendioso esforço do Oscar que Taback orquestrou para Roma já está começando a parecer histórico. O longa de Cuarón, filmado em espanhol e em mixteca, idioma do sul do México, e considerado uma obra-prima por muitos críticos, vai para o 91.º Oscar no domingo, 24, como forte candidato a levar o Oscar de melhor filme.
Se um filme distribuído primeiramente online vencer, o debate em Hollywood sobre o que constitui cinema acabou. Seria um duro golpe para as grandes cadeias de multiplex, que se recusaram a mostrar Roma porque a Netflix ofereceu um período de exibição exclusivo de apenas três semanas; três meses é a norma. No que diz respeito a números de bilheteria, a Netflix anunciou que o filme já apareceu em cerca de 250 cinemas nos EUA desde que foi lançado em 21 de novembro, mas não divulga dados sobre a venda de ingressos.
Ganhar também tornaria mais fácil para a Netflix competir com os estúdios tradicionais pelos melhores cineastas. (Seu único Oscar de longa até hoje foi o de documentário, em 2018.) Mesmo as vitórias em categorias menores – Roma tem 10 indicações no total e A Balada de Buster Scruggs ganhou mais três – iria inflar o prestígio da marca Netflix, dando à empresa um brilho de excelência e ajudando-a a se defender de um prometido ataque de concorrentes. Disney, WarnerMedia e Apple estão lançando serviços de streaming este ano.
Estrategistas como Taback evitam a mídia, especialmente antes do Oscar, alegando que não querem desviar a atenção dos filmes. Outra razão, é claro, é que nenhum estúdio quer parecer que está tentando manipular os votantes.
Com tantas variáveis em jogo, a Netflix reforçou a atuação de Taback e de seus colegas no departamento de publicidade da empresa para montar uma grande campanha que lembraria uma fase de tanta arrecadação nos cinemas que seria necessário recrutar carros-fortes da Brink’s. Roma, um filme de época em preto e branco sem estrelas conhecidas, custou apenas US$ 15 milhões, mas a empresa gastou entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões em promoção. Qualquer que seja o custo, a campanha é de longe a mais luxuosa da história de um filme em língua estrangeira. (Nenhuma obra estrangeira ganhou até hoje o prêmio de melhor filme.)
Na verdade, nenhum filme ganha o Oscar principal, a menos que gaste para isso. Os estrategistas do prêmio estimam que a Warner Bros. tenha gasto cerca de US$ 20 milhões na promoção de Nasce uma Estrela, com o diretor do filme, Bradley Cooper, usando aviões privados para paradas de campanha em Nova York, Los Angeles e Londres. A Disney não tem sido nada econômica na campanha para Pantera Negra, que incluiu spots na TV, anúncios luxuosos no Los Angeles Times e promoções com Oprah Winfrey.
A Universal enviou cinco livros para os eleitores em nome de O Primeiro Homem, além de uma cópia do roteiro. Não ajudou muito. O filme recebeu quatro indicações, mas foi excluído em categorias de apresentação.
É uma das mais duras temporadas do Oscar. Traições e subterfúgios estão sempre presentes e o processo de votação tornou-se mais intenso que o normal, em parte porque não houve um líder evidente para melhor filme. Infiltrado na Klan, Roma, Green Book – O Guia e Pantera Negra estão em um feroz combate pelo prêmio.
“Parece que há uma batalha pelo futuro de Hollywood, pela indústria cinematográfica e pelo próprio Oscar – não apenas em termos de salvar a transmissão a partir da queda de audiência, mas também em termos de dar uma participação na mesa à Netflix”, afirmou Sasha Stone, antiga observadora do Oscar que dirige o blog AwardsDaily.
Taback não é a única estrategista de prêmios envolvida na corrida deste ano, que costumava trabalhar para Weinstein, que leva o crédito de transformar a campanha do Oscar em um esporte sangrento. Tony Angellotti liderou o esforço de Green Book para obter votos; ele ajudou Weinstein a pressionar por filmes como O Paciente Inglês e Shakespeare Apaixonado, para destacar as vitórias nos anos 1990. Cynthia Swartz, que passou a década de 1990 na Miramax, tem prestado consultoria tanto a Infiltrado na Klan quanto para Pantera Negra.
A Netflix investiu dinheiro em sua busca pelo Emmy e Oscar em uma escala que os executivos de Hollywood dizem que raramente ou nunca viram antes. A maioria dos estúdios, por exemplo, mandou alguns filmes em DVD aos eleitores. A Netflix enviou 17.
A campanha de Roma começou de certa forma em 13 de agosto, quando Taback e a diretora de publicidade cinematográfica da Netflix, Julie Fontaine, começaram a agitar, convidando repórteres de cinema para coquetel e exibição de trechos do longa. Cuarón estava lá para conversar depois.
À medida que a campanha se intensificava, a Netflix fez com que celebridades como Angelina Jolie e Charlize Theron apresentassem exibições especiais para os eleitores do Oscar.
Além disso, correspondência foi enviada para os votantes, como um elaborado panfleto com um player digital com trailer de Roma; chocolates mexicanos com uma nota de uma das atrizes do filme; um livro de quase três quilos e US$ 175 em fotos. A enxurrada de anúncios em Los Angeles continuou por meses.
Em Hollywood, todo mundo que importa conhece Lisa Taback, que confessa: “Sou um tigre implacável quando se trata de afastar alguém do caminho? Não. Minha estratégia é ser incansável”.
A principal produtora do 91.º Prêmio da Academia, Donna Gigliotti, estava de bom humor na manhã de sexta, 15. Serena Williams tinha confirmado que apareceria na transmissão falando sobre Nasce uma Estrela. Milhares de rosas vermelhas para o set estavam a caminho. A nove dias do show, tudo parecia estar bem. Então o telefone dela tocou.
Autoridades da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas estavam na linha. Disseram que estavam cedendo à pressão e abandonando o plano de abreviar a cerimônia, concedendo quatro troféus nos intervalos comerciais, com os momentos vencedores sendo editados e exibidos mais tarde no programa. Gigliotti teria de mudar rapidamente a transmissão para que cada Oscar fosse apresentado do jeito tradicional. E ela ainda poderia produzir uma transmissão de três horas – no máximo? “A resposta foi não”, desabafou Gigliotti no fim de semana.
A academia de cinema tem lutado para manter o Oscar em um tempo razoável desde pelo menos 1987. A razão é simples: proteger a audiência da TV. Depois de três horas, segundo as pesquisas da academia, as pessoas na Costa Leste vão dormir, derrubando os números de audiência, e as da Costa Oeste também vão embora. Três horas assistindo a Hollywood celebrar a si mesma – o show do ano passado foi de quase quatro, sem incluir a cobertura do tapete vermelho – parece ser o limite da maioria dos espectadores.
A necessidade de repensar a transmissão se tornou alta prioridade desde o ano passado, quando apenas 26,5 milhões de pessoas estavam sintonizadas, uma queda de quase 20% em relação ao ano anterior. Apenas alguns anos antes, o Oscar teve um público de 43,7 milhões. Toda solução que a academia anunciou, no entanto, não deu certo. Os planos para adicionar uma categoria para conquista em filmes “populares” foram cancelados. Depois de protestos, a academia desistiu de pôr algumas categorias nos intervalos comerciais, como programas de prêmios.
E então, como fica Gigliotti? “Seria uma boa história se eu tivesse um colapso nervoso”, afirmou ela, que começou sua carreira como assistente de Martin Scorsese e passou a trabalhar para Harvey Weinstein e Barry Diller. “Mas qualquer produtor está acostumado a essas coisas. É só achar um caminho novo.”
Dawn Hudson, presidente executivo da academia, disse em e-mail que a organização “continuará discutindo como o Oscar pode evoluir – para manter o forte engajamento, para refletir a natureza cada vez mais global da indústria cinematográfica e de nossos membros”. “Se aprendemos alguma coisa nos últimos meses, é que as pessoas estão muito ligadas ao Oscar. Todo mundo tem uma opinião e uma paixão.”
Gigliotti e Glenn Weiss, o coprodutor e diretor da transmissão, não têm estimativa de quanto tempo vai durar o programa de 24 de fevereiro, mas certamente seriam mais de três horas. Mas o evento (transmitido pela ABC) ainda será mais rápido do que no ano passado, em parte porque não há um apresentador.
Depois de uma escolha inicial para o trabalho, Dwayne Johnson não estava mais disponível, e seu eventual sucessor, Kevin Hart, renunciou depois que suas divagações contra gays no Twitter foram redescobertas. Aí, os produtores decidiram ficar sem apresentador pela primeira vez, desde 1989. “Decidimos usar a situação do apresentador como uma forma de alcançar essa marca de três horas”, afirmou Weiss. Desta vez, os produtores esperam que o primeiro prêmio seja entregue em 7 ou 8 min.
Sobre a abertura, os produtores revelaram detalhes. Breves apresentações dos oito indicados para melhor filme, por exemplo, serão “espalhadas” durante todo o show. (No ano passado, as melhores apresentações foram condensadas em uma única montagem de 4 min. que foi ao ar antes da categoria ser premiada.) Oito pessoas de fora do mundo do entretenimento farão as apresentações, falando sobre o que os filmes significam para elas.
“Junto com a inclusão, que definitivamente queremos adotar, o grande tema será sobre filmes nos conectando de forma ampla”, adiantou Donna Gigliotti caminhando pelo frio Dolby Theater com um casaco acolchoado. “Alguns espectadores querem ver o glamour.”
Gigliotti, que ganhou um Oscar por produzir Shakespeare Apaixonado e foi indicada três vezes por Estrelas Além do Tempo, O Leitor, O Lado Bom da Vida, contou que não havia planos para incorporar pessoas comuns ao programa. “Amo pessoas comuns”, falou Gigliotti, que mora em Manhattan. “Ando de metrô com elas todos os dias em Nova York. As pessoas do dia a dia não me trazem índices de audiência.”
Estrelas como Angela Bassett, Melissa McCarthy, Jason Momoa, Chris Evans, Charlize Theron, Chadwick Boseman e Daniel Craig foram convocados como apresentadores. Jennifer Hudson, Lady GaGa, Bradley Cooper, Bette Midler, vão interpretar as músicas indicadas.
“No momento, estou muito bem”, explicou Gigliotti no sábado de manhã. Não está preocupada? Como manter o foco em meio às disputas online que cercaram o Oscar este ano? “Simples”, disse ela. “Eu não sei usar o Twitter.”