Lembranças de uma traição
Romance casual morreu com frase ridícula
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em– Boa tarde, seu Olavo.
– Boa tarde, Antônio.
– O de sempre?
– Sim, por favor.
Em alguns minutos, o garçom retornou com o café, duas torradas e o pote de açúcar. Este, por sinal, jamais era tocado pelas mãos trêmulas do cliente. No entanto, o velho parecia apreciar a sua companhia, talvez porque ela lhe trouxesse memórias de um tempo em que ele ainda acreditava na doçura do mundo.
Olavo, antes mesmo de tocar os lábios na xícara, observou os transeuntes, que caminhavam como formigas. Há muito, ele era um desses que precisa correr atrás do quinhão de cada dia. Entretanto, desde que veio a aposentadoria, sua maior preocupação é com o café do final da tarde. Isso, aliás, não atrapalhava seu sono, já que não precisava mais lutar contra a ansiedade de não perder a hora para o serviço.
Um casal, não mais de 30 anos, chamou a atenção do idoso. A mulher, com os braços em volta do pescoço do amado, um tanto mais alto, sorriu de algo que acabou de sair dos lábios do parceiro. O que aquele homem teria dito para arrancar tamanho sorriso daquela jovem? Isso é apenas o mote para tornar a bebida fumegante ainda mais saborosa, já que Olavo levou a xícara aos lábios.
Seriam amantes? O ligeiro pensamento de Olavo o levou há quase duas décadas, quando, na saída da repartição em que trabalhava, esbarrou com Eulália, que, naqueles idos, se encontrava no auge da beleza feminina. Quanto a ele, nunca se enganara com sua vulgar aparência e, provavelmente por conta disso, jamais teria imaginado que algo pudesse vir a acontecer entre os dois. Aconteceu.
Com lá seus quase 50, Olavo ficou surpreso com o sorriso nos lábios de Eulália naquele dia. Ela, por sinal, sempre lhe pareceu distante, apesar de trabalharem em salas contíguas há anos. Até então, nada além de cumprimentos formais ou, no máximo, troca de informações a respeito do serviço.
O que aquele sorriso significaria? Estaria aquela mulher, de aparência muito além do que Olavo estava acostumado, interessada justamente nele? Mas por quê? Seja como for, já no dia seguinte, os lábios daqueles dois se tocaram pela primeira vez, quando estavam no metrô.
Eulália, obviamente, foi total dona daquela iniciativa, talvez porque já soubesse da incapacidade de Olavo dar um passo em direção à traição. É verdade que o homem ficou surpreso, mas aceitou sem qualquer resistência o frescor dos lábios daquela mulher estonteante, que o arrastou pelo braço até o apartamento dela, onde se amaram até que, próximo às 20h, ele se lembrou de que também era casado.
O marido de Eulália era geólogo e, por conta do trabalho, passava muito tempo embarcado ou em alguma plataforma petrolífera. Ela o amava, como fazia questão de dizer sempre para Olavo. Isso, aliás, era algo que o amante não conseguia entender.
– Por que, então, você o trai?
– Mera necessidade, meu querido.
O relacionamento entre os dois durou quase um ano, até que, por mera tolice, Olavo desejou oficializar aquele amor. Foi veementemente repreendido por Eulália, que, como dito, era toda paixão pelo marido.
– Não me ama?
– Temos nossos momentos.
– Não me ama?
– Não seja ridículo, Olavo!
Duras palavras, mas, nem por isso, insensatas. Elas foram a razão para que Olavo não pedisse o divórcio, que, afinal, ele estava prestes a fazê-lo. Graças a isso, seu casamento permaneceu até há pouco tempo, quando, finalmente, a esposa sucumbiu ao câncer. E, a despeito da falta de paixão desde pouco antes daquele primeiro beijo no metrô, Olavo havia tido uma vida com boas doses de amor ao lado da esposa.
O velho sorveu o último gole do café, ao mesmo tempo em que o casal no ponto de ônibus se despediu. Ela, apressada, entrou no coletivo, enquanto o homem acompanhou a amada com os olhos, até que o ônibus se misturou a tantos outros ao longo da W-3 Sul.