Anita, divorciada, uma filha, 50 anos bem vividos, era uma pintora de talento. Álvaro, divorciado, sem filhos, 51 anos mal vividos, era…um nada? Um zero à esquerda? Algo assim. Desempregado há anos, vivia de bicos como pintor de casas. Então, em certa medida (ou antes, incerta medida), ambos eram pintores.
Os caminhos dos dois haviam se cruzado no ginásio, em Niterói. O garoto ficava fascinado pela moreninha espevitada, a melhor aluna da classe (ele estava entre os piores). Ela nem soube, mas foi o primeiro amor da vida dele. E o único que ele não esqueceu, ou renegou. Por isso, lembrava de seu nome e acompanhava de longe sua trajetória. Soube de seu casamento com um imbecil de família rica. Depois, do nascimento da filha, do divórcio, dos primeiros passos de sua carreira como pintora. E dos segundos, dos terceiros. E por aí foi.
Certo dia, Álvaro leu num jornal o anúncio de uma vernissage, numa galeria de Icaraí. Entre os nomes dos artistas expositores estava o de Anita. Pensou em comparecer, achou que estava ficando louco; pensou de novo, decidiu não ir, mas com uma ênfase bem menor; pensou pela terceira vez e disse a si mesmo: “Vou sim. Vou de qualquer jeito. Pelo menos vejo a minha morena”.
Aproveitou que havia recebido uma grana por um trampo e passou numa loja de roupas. Comprou uma camisa branca, uma gravata e um terno baratinho e pagou a primeira de dez prestações. No dia seguinte, tomou um longo banho, barbeou-se com cuidado, vestiu-se e partiu de ônibus para a vernissage (ele morava em São Gonçalo). Estava quase apresentável.
No local, viu os quadros, mas sem prestar atenção em nenhum deles. Seus olhos esquadrinhavam o espaço, inquietos, à procura de sua musa. Quando a viu, custou a reconhecê-la: a moreninha estava com os cabelos pintados de um vermelho esfuziante, com mechas brancas. Tentou aproximar-se e falar-lhe dos tempos do ginásio, mas não conseguiu, ela estava sempre rodeada de admiradoras, que a olhavam com doses mais ou menos generosas de inveja, e admiradores, todos mais bem vestidos que ele, que falavam alto e babavam no generoso decote de Anita. Álvaro simplesmente não podia competir com aqueles homens seguros de si e, em especial, endinheirados.
Quando todos começaram a ir embora, o pintor de paredes desistiu e foi também. Entrou num barzinho bem perto da galeria, disposto a afogar as mágoas com seu veneno predileto: rabo de galo de cachaça e cynar.
Mal tinha dado o primeiro gole quando Anita entrou, com alguns amigos. Deixou-os procurando uma mesa e veio direto pro balcão do bar, onde estava Álvaro. Este agradeceu aos deuses e gaguejou:
– A…Anita? A pin…pintora?
– Sim. Eu o conheço?
Era a oportunidade de relembrar os tempos de adolescência, mas ele resolveu esperar um pouco. Ofereceu então um gole de seu rabo de galo, que estava com pouco dinheiro para pagar um drinque para a dama de seus sonhos.
Ela cheirou de longe, fez uma careta de nojo e afastou a mão dele com força, quase derramou a bebida. Recusa silenciosa, mas expressiva. E dolorosa.
Ele não desistiu, tirou do bolso um cigarro todo amassado e ofereceu em silêncio. Nova recusa silenciosa, novo tapa na mão, o cigarro voou longe, pena, era o último dos moicanos.
Última tentativa. Álvaro tateou dentro do bolso, pegou um drops sem embalagem, meio derretido, com um pouco de tabaco do cigarro preso a ele, e ofereceu a seu eterno amor. Dessa vez, Anita explodiu.
– Não, porra!
Desiludido, chorando por dentro, com o coração pisoteado, Álvaro ainda exigiu uma confirmação:
-Namorar nem pensar, né?
Silêncio. Ela foi embora, para junto dos amigos, ele, para seu apartamentinho em São Gonçalo.