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O homem holográfico

Romeu, criador, é tomado pela volúpia de Julieta

Publicado

Autor/Imagem:
Hannah Carpeso - Foto Produção Irene Araújo

Passeava pelas ruas como um morador.

Permitia-se atravessar fora das faixas assustando motoristas e pedestres.

Freadas bruscas, gritos de horror; sempre ileso de todas as situações que se metia, subia pelas paredes dos prédios e projetava o rosto em laterais de edifícios que ficassem à vista da multidão.

Assim se divertia.

Romeu dedicou a vida à pesquisa digital: miragens e ilusões em dimensões. Aprofundou estudos para tornar vivo o processo holográfico e experimentar a omnipresença. Tornar-se Deus do Olimpo.

Deixou de ser um cidadão comum. Tornou-se um holograma de si.

Escolhe local, espaços e com quem deseja interagir.

Acredita no poder holográfico da realização pessoal.

Passeia pelo mundo com soberba científica. Convencimento que pretende dominação.

Por trás de seus hologramas esconde segredos.

Diverte-se no olhar a distopia, distorcida, estratégias de jogo que favorece o controlador.

Tecnologia que o coloca em qualquer lugar do planeta; sempre só.

Desprovido de amor.

Saboreadas todas as possibilidades de manipulação, envolveu-se num experimento audacioso. Quer provar que o amor pode ser criado aos moldes desenhados.

Cunha um holograma de mulher ao seu ideal; trabalho incansável e especial porque surgiria uma relação matrimonial perfeita.

Pronta, a musa, a consagra em cerimônia particular – pacto de união – não prevendo probabilidades de erro.

No início, a lua de mel, a beleza explorada, tudo nos moldes de um holograma perfeito.

Com o tempo, Romeu enjoa.

Quer desfazer o holograma.

Julieta, por ironia assumida, se dá conta de que será destruída.

Em relance humano transforma a vida amorosa em inferno.

Exige sexo a todo o momento, insaciável, tornando-o assim escravo de sua volúpia.

Romeu não sabe como agir, diante da natureza humanizada e sujeita a erros.

Sua holografia não previu a necessidade de alteração ou correção no sistema. Parece que será sempre confrontado por Julieta.

Entende, agora, o sofrimento às avessas da história romântica do amor entre adolescentes.

Este pensamento o enlouquece.

Quer o silêncio perdido.

Quer entendimento não programado.

Cansado do plano perfeito, quer voltar a ser um cidadão comum, esconder-se das redes, libertar-se do emaranhado criado.

Mas sua estrada está traçada. Será o holográfico que virou holograma na busca de sua identidade.

Perdeu-se no mundo digital.

Seu projeto de mulher superou o seu de homem.

Confiou nos seus anseios, não percebeu que o perigo da cultura machista, que acabou por devorá-lo.

Julieta permanece em prontidão.

Mostra as consequências bumerangues sobre quem “brinca” com o universo feminino, e assim como na Odisseia 2001 tomou o poder da manipulação holográfica de seu agora, escravo Romeu.

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