As tropas russas próximas à fronteira da Ucrânia não se vão deslocar para dentro do país. Assim fazer seria simplesmente insensato. A tomada de terras já devastadas pela sua classe dominante antinacional e corrupta é uma das piores opções disponíveis para Moscou.
Ao invés, é provável que haja tropas para impedir outro ataque às autoproclamadas repúblicas do Donbass. Se isso acontecesse, o exército de Kiev seria destruído e o que resta do Estado já fracassado provavelmente entraria em colapso. Estas tropas e outros meios técnico-militares, como bem dizem os generais russos, estão lá para aumentar a pressão sobre os marionetistas e não sobre as marionetes.
A Rússia poderia contar com a sua capacidade militar grandemente reforçada, provavelmente dando-lhe aquilo a que os peritos ocidentais chamam “dominância de escalada” na Europa e em outras áreas de interesse vital. Também sabemos que o Artigo 5º da OTAN, comprometendo o bloco a uma defesa mútua, é absolutamente vazio apesar de uma avalanche de garantias. E os EUA em circunstância alguma combateriam na Europa contra uma nação nuclear, arriscando-se a uma resposta devastadora no seu país. Além disso, a Rússia tem a China na retaguarda, o que aumenta consideravelmente as capacidades militares-políticas de ambos.
Os EUA e a OTAN continuam a rejeitar as justificáveis propostas da Rússia – por um fim a nova expansão da OTAN, a qual é vista como absolutamente intragável em Moscou e susceptível de arriscar uma grande guerra, a instalação de armas ofensivas na parte oriental da Europa Central, e um regresso ao status ante de 1997, quando foi assinado a Ato Rússia-OTAN. As contrapropostas dos EUA acerca de conversações sobre medidas de construção de confiança e de controlo de armas parecem agradáveis, mas são em grande parte inúteis. Já vimos isto tudo antes. A confiança só pode começar a ser restaurada quando os interesses básicos russos forem satisfeitos.
Também somos cúmplices na criação da atual situação pré-guerra – por sermos fracos e confiarmos nos nossos parceiros ocidentais. Isso não é mais assim.
Sabemos também que, se a OTAN era um bloco defensivo, degenerou num bloco agressivo após o bombardeamento do que restava da Iugoslávia, a agressão da maior parte dos seus membros contra o Iraque, a agressão contra a Líbia, deixando atrás centenas de milhares de mortos e áreas inteiras devastadas.
A OTAN não é uma ameaça imediata. Observamos as suas capacidades de combate no Afeganistão. Mas consideramo-la como um vírus perigoso que espalha a belicosidade e prospera sobre ela. Além disso, é óbvio que quanto mais se aproxima das nossas fronteiras, mais perigosa se pode tornar-se. Historicamente a Rússia tem esmagado todas as coligações europeias que tentaram derrotá-la – as duas últimas lideradas por Napoleão e Hitler. Mas não queremos outra guerra. Mesmo que não se desenrole no nosso próprio território.
O sistema de segurança na Europa, construído em grande parte pelo Ocidente após a década de 1990, sem que um tratado de paz tenha sido assinado após o fim da Guerra Fria anterior, é perigosamente insustentável.
Há algumas formas de resolver o tortuoso problema ucraniano, tais como o seu retorno à neutralidade permanente, ou garantias legais de vários países-chave da OTAN de nunca votarem a favor de uma nova expansão do bloco. Os diplomatas, presumo, têm algumas outras na manga. Não queremos humilhar Bruxelas com a insistência no repúdio ao seu pedido errôneo para a expansão limitada da OTAN. Todos sabemos o fim da humilhação de Versalhes. E, é claro, a implementação dos acordos de Minsk.
Mas a tarefa é mais vasta: construir um sistema viável sobre as ruínas do presente. E sem recorrer a armas, é claro. Provavelmente no quadro mais amplo da Grande Eurásia. A Rússia precisa de um flanco ocidental seguro e amigável na competição do futuro. A Europa sem a Rússia ou mesmo contra tem estado a perder rapidamente a sua influência internacional. Isso foi previsto por muitas pessoas na década de 1990, quando a Rússia se ofereceu para se integrar com, e não nos, sistemas do continente. Somos demasiado grandes e orgulhosos para sermos absorvidos. A nossa iniciativa foi então rejeitada, mas há sempre uma hipótese de desta vez não o ser.