A mitologia indiana traz uma rica sabedoria milenar, que pode influenciar positivamente a visão de mundo e surtir efeitos nítidos na qualidade de vida de muitas pessoas. Tendo em vista as diversas aflições que acometem os seres humanos, esses conhecimentos trazem uma bagagem extremamente rica e reconfortante, podendo oferecer saídas para questões que tendem a se complicar na rotina. Um exemplo são os mitos que, assim como anuncia o filósofo Platão em “O Banquete”, não devem ser encarados como levianos, fábulas ou mentiras. São, na verdade, fruto da alma coletiva dos homens, sabedoria de um povo transformada em letra.
Assim, é possível retirar profundas lições de lendas hindus, como é o caso de uma delas que envolve o deus Ganesha, famoso por sua cabeça de elefante. Sua aparência também traz seus ensinamentos, ao demonstrar que a visão externa não é determinante para entender a beleza interna e a elevação espiritual. Sua cabeça maior que o corpo traz uma representação de sabedoria e o estômago avantajado sinaliza a capacidade de digerir as experiências.
A história conta que seu pai, Shiva, deus da trindade hindu, criou uma competição para decidir quem seria o chefe do Gana (exército de semideuses a seu serviço). Foi pedido que os participantes dessem uma volta em todo o universo, buscassem conhecimento e retornassem aos pés da divindade. Quem chegasse primeiro seria coroado com o cargo.
Ganesha era grande e pesado, andava lentamente. Já seu irmão mais novo, Kartikeya, era energético e conhecido como deus da guerra, dominando o uso de todas as armas. Ele era vaidoso, muito habilidoso e seu animal símbolo é o pavão, relacionando-se fortemente com sua personalidade. Muito competitivo, Kartikeya logo partiu em disparada com sua ave, percorrendo longas distâncias em um só instante.
Ganesha tinha como animal um simples camundongo e, sem muita pressa, iniciou seu trajeto logo depois. Muito lentamente, certamente demoraria muitos anos para cumprir o trajeto. Kartikeya correu tão rápido por planetas, estrelas, satélites e, tão veloz, quase nada conseguiu visualizar com tamanha velocidade. Demorou um dia e uma noite para dar a volta em todo o universo e chegando, certo de sua vitória, se surpreendeu ao ver seu irmão já coroado.
Acontece que Ganesha, ciente da vida e das coisas do mundo, optou por vagarosamente percorrer o caminho ao entorno que circundava seus pais, chegando antes de seu irmão. Segundo ele, seus pais são os criadores de todo o seu universo, ao olhar qualquer coisa em qualquer lugar, montanhas, rios, vales, oceanos, ele sabe que tudo isso é fruto de sua concepção, que ali estava. Para ele seus pais são todo o universo e, assim, ele ganhou o título de chefe do exército celestial por sua sabedoria.
A lição que fica da bela história é de que, por mais que percorramos infinitos caminhos e distâncias imensuráveis, o universo pode estar muito mais perto do que imaginamos. O amor filial é ali representado na consciência de que a vida de Ganesha nada mais é do que o fruto da relação de seus pais. Tudo o que vemos é parte deles, eles que dão a qualquer pessoa seu universo inicial, base de tudo.
O mundo ensina muitas coisas, mas o cerne da sabedoria mais profunda está contido justamente na própria origem, de forma simples e, no entanto, fortíssima. A história serve para perceber o quanto de conhecimento pode ser retirado dessa relação, que precede até mesmo a existência de qualquer ser humano.