Sonho aterrorizante
Sábios do mundo do faz de conta têm na cabeça o que o camarão tem nas tripas
Publicado
emNo melhor dos mundos para a patriotada festiva, nada mais auspicioso do que acordar sem programação pré-definida, muito menos por definir. A ordem é deixar o dia descortinar livremente. Lá os dias acontecem conforme a vontade do Pai, do Filho e do Capitão, os chamados donos do mundo. Aparentemente maravilhoso, é para lá que são enviados os revolucionários de sorveteria burguesa. São aqueles que têm na cabeça o que o camarão tem na tripa superior. Suas contas são pagas por papai e mamãe e não precisam fazer a cama quando saem de manhã com Toddynho na mão direita para brincar de vandalizar prédios públicos.
Mesmo em um mundo que não é nosso, reconhecê-los é tarefa das mais fáceis. Basta ouvi-los dizer que defendem a família, a pátria e os valores cristãos. “Patriotas” é o adjetivo com o qual adoram ser identificados. Além da Bíblia sob o sovaco direito e o “trezoitão” sob a camisa de seda indiana, também do lado direito, costumam ser vistos enrolados na Bandeira do Brasil sempre em endereços nobres. Ora estão na Avenida Paulista, ora na Avenida Atlântica e eventualmente na orla das principais cidades litorâneas do país. Segundo eles, cidades e bairros pobres são áreas exclusivas do “ladrão”.
Amam estender o Pavilhão Nacional por onde passam. No entanto, não conseguem distinguir as bandeiras da Argentina e do Uruguai, ambas com elementos muito parecidos. Para eles, o costureiro dos estandartes dos Estados Unidos, Libéria e Malásia é o mesmo dos pavilhões da Colômbia, Equador e Venezuela. E por aí vão em direção àquele velho navio lotado de generais encasacados e com a mesma obsessão: tomar conta da praça que é do povo, do mesmo modo que o céu é do avião.
É assim o mundo do faz de conta, local habitado por alucinados que não sabem o que acontece a um palmo do nariz, pois só enxergam o próprio umbigo. Sábios, embora vomitativos, e referência para tudo, na teoria eles pregam a liberdade, a democracia, a paz e o amor. Sempre do jeito deles, é claro. Na prática, porém, promovem o ódio, o desamor, a dor e a tirania. Fora do cercadinho onde eles se reúnem, todos são comunistas, gays, ladrões e serviçais dos bandoleiros do PT. Em resumo, saiu deles nada tem valor.
É um mundo que os próprios não entendem. Digo isso porque, deliberada, desavisada ou ignorantemente, eles mesmos conspurcam a democracia que os elegeu. Apesar de revelador, o mundo que eles imaginam nada tem de diferente do Brasil do mês passado, de anteontem e de ontem. Ele sempre existiu. A arbitrariedade, a caretice, o conservadorismo, o cristianismo como salvação da maldade e o reacionarismo curricular de hoje fazem parte da quinta essência da mediocridade de seres que viram líderes sem a menor noção do significado do termo liderança.
Como o desmerecimento é a forma mais medíocre e consoladora que o estulto encontra para achar que diminui o sábio, como ser humano comum, de alguma maneira, eu também faço parte desse mundinho. Não me associando a eles, mas tentando informá-los que, enquanto o medíocre fala de pessoas, o comum fala de fatos e os mais inteligentes falam de ideias. Simples assim. Como não presto atenção em pessoas que pensam pequeno e que retroagem facilmente, prefiro montar em meu cavalo alado e sair em disparada rumo ao mundo regenerador de almas golpistas.
Poxa, gente… que sonho aterrorizante.