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Saga etílica de um cervejetariano que sempre bebeu, mas nunca tomou

Mestre dos mestres, o tempo me ensinou que a embriaguez não cria vícios, mas põe o homem em permanente evidência. Foi com o tempo que também aprendi que o de bêbado continua sem dono. Como prezo o que é meu, decidi seguir os conselhos do velho Aristarco Pederneira e parei de beber. Hoje, com as graças do pastor Fifty One (51 no português de periferia), congelo a cerveja, o vinho, a vodka e o uísque e passo horas chupando cada saquinho. Tomei essa decisão após perceber que estava igualzinho a Vinícius de Moraes, isto é, misturando poesia com cachaça e discutindo política e futebol.

Tenho consciência de que era bêbado e não alcoólatra. Os alcoólatras participavam de reuniões, enquanto eu ia às festas. Fazia parte do meu rascunho de bolso a máxima de que é melhor um bêbado conhecido do que um alcoólico anônimo. Sinto arrepios ao lembrar que, quando criança, morria de medo de bêbados. Hoje eu sei que a gente não faz mal a ninguém. Antecedendo os aconselhamentos de meu avô, passei dias, semanas e meses dizendo a mim mesmo que deveria parar de beber. Dizia, mas logo pensava, pensava e repetia para mim mesmo: Como vou dar ouvidos a um bêbado que fala sozinho?

Não me orgulho dessa fase, mas foi a partir dos 9,5% de teor alcoólico do Biotônico Fontoura que tudo começou. Acreditando que o trem era mesmo mais ferro e fósforo, mergulhei de cabeça e acabei cervejetariano. Não me arrependo. Aliás, antes que me avaliem como pinguço inveterado, devo lembrar que cerveja não é solução para todos os problemas. É verdade. No entanto, é impossível negar que ela é um ótimo começo. No auge da beberagem, bebia para esquecer. Curioso é que nunca esquecia de beber.

Sempre ouvi de minha mãe que a bebida era – e é – o pior inimigo do homem. Mas como fazê-la entender que o homem que foge de seus inimigos é um covarde? Tentei, mas não consegui. Não era um ébrio, mas sempre que acordava com dúvida a respeito de alguma coisa, bebia uma cerveja. Se a dúvida persistisse, bebia mais uma e assim até que estivesse satisfeito. A dúvida que se lascasse. Mesmo sem me lembrar da pergunta, o álcool era a resposta. Como diziam que o alcoolismo matava lentamente, bebia para não morrer de repente. O que posso dizer é que eu apenas bebia. Jamais tomei. Seja lá onde for, tomar é feio e não é coisa para macho alfa.

Com ajuda do inenarrável pastor Fifty One, pulei as sete ondas da pandemia de Covid-19 e me livrei do vírus que pegou meio mundo por trás. Por recomendação médica e daquele presidente da Ivermectina e da Cloroquina, bebia de manhã, à tarde e à noite. Quando lembrava do médico, acordava de madrugada para tomar um gole. Foi o moço do jaleco branco quem garantiu que, passando álcool nas mãos, eu estaria imune a várias bactérias. Achei que bebendo acabaria quase imortal. Acho que fiquei. Hoje, se beber, não dirijo e não voto. Tenho medo de passar bruscamente em um quebra-molas e derrubar o copo e de, num lampejo de ignorância, dividir o 51 por 3 e votar no 17.

Abandonei a vida mundana e parei de pregar para os amigos a recomendação do versículo 22, cuja tese é não misturar cerveja com juízo. São como água e vinho. Pactuei com o artigo constitucional número 1313 que, no inciso 45, determina que me diga com quem andas e eu vos direi quantas cervejas levar. Fugi do profano para aderir ao sagrado, mas mantenho vivo o pedido de meu avô no leito de morte: “Não maltrate um bêbado. Leve-o ao bar mais próximo”. Não tenho conhecimento de causa, mas devo reiterar que, como o de bebum permanece sem dono, se for beber, melhor sair de casa com a calça jeans com o zíper para trás. Se puder, use uma cueca de couro e estará livre de qualquer coceira ou toque indesejado.

*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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