Não raro, preciso recorrer à Dona Irene, minha formidável, esplendorosa, linda, meu tudo e um tanto mais, para entreter diariamente meus leitores aqui no Notibras. E foi o que deveria ter acontecido hoje. Todavia, antes que eu pudesse abrir a boca, eis que a minha mulher se vira e me manda essa:
— Edu, por que você não escreve um conto repleto de proparoxítonas?
— O quê?
— Pro-pa-ro-xí-to-nas!
— Mas por quê?
— Hum… Adoro a sonoridade dessas palavras.
Gente, por que ela não me pediu para assistir a mais uma partida do seu amado Palmeiras? Do jeito que estou, até encararia rever aquela chatice de uma tal série de zumbis, que ela adora. Aliás, aqui cabe até um adendo sobre um embate que tivemos durante aquele tempo, quando ela parecia uma criança de seis anos diante de uma enorme bacia de pipoca assistindo a um espetáculo de mortes provocado por um bando de mortos-vivos.
Não por acaso, havia mesmo uma enorme bacia de pipoca no colo da minha amada. Pipoca, por sinal, feita por mim.
— Amorzinho, não é estranho?
— O que é estranho, Edu?
— Não tem uma mosca.
— Mosca?
— É.
— E por que haveria mosca?
— Ué, esse povo todo aí não tá morto?
— E daí?
— Então, cadê as moscas?
— Edu, todas as moscas foram extintas.
Sem argumentos para enfrentar tamanha imperiosidade, tratei de meter a mão na bacia e pegar um pouco da pipoca, que, por sinal, estava deliciosa.
Proparoxítonas? Eis que cá estou lavando a louça da noite anterior e imaginando um bando de proparoxítonas amontoadas. Será que posso usar também as proparoxítonas facultativas? É que história, glória, série transitam entre a paroxitonidade e a proparoxitonidade. Olha eu aqui fazendo neologismos que nem Guimarães Rosa. Se bem que, de vez em quando, me pego consultando o dicionário para verificar se alguma palavra dita pelo Gilberto Gil também não teria sido criada por ele.
Melhor ficar restrito às proparoxítonas genuínas, que não deixam dúvida a ninguém. A ninguém? Ih, ninguém é tão pouca gente, que é como se eu quisesse dar uma espiadela do lado oposto a todo mundo.
Lâmpada, plástico… O mundo precisa resolver esse problema do plástico, antes que o planeta entre em colapso. Plástico reciclável, então. Mas reciclável é paroxítona. Que fosse até oxítona, não importa, precisamos resolver o lance do plástico.
Plástica, rústico, música, brócolis… Brócolis! Gente, a minha caçula, de apenas um ano, adora brócolis. Acredita nisso?
Música, básico, automático, célebre, cérebro, célere, católico, elétrico, página, método, propósito, súbito, técnica, xícara, vítima, típico, pétala, ônibus, pêssego, vândalo, ginástica, fôlego, estúpido, última, harmônico, estômago…
Deu até fome. O problema é que, neste momento, só consigo pensar em uma única proparoxítona, que é abóbora. Não que eu desgoste. No entanto, estou mais propenso a degustar algo que me apeteça de verdade: carne de sol com aipim frito e muita manteiga de garrafa. Quanto ao tal conto repleto de proparoxítona, melhor deixá-lo para momento mais propício, que, afinal, ainda que facultativa, também é uma palavra proparoxítona.
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Eduardo Martínez é autor do livro 157 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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