Naquela pequena cidade, Tupã, interior no oeste paulista, a figura mais interessante que conheci em minha primeira infância foi o Toshimiro, o Sr. Sam.
“Sr. Sam, o Japa”, filho de segunda geração da colônia nipônica -pioneira na colonização daquelas bandas-, Sam outonava pela casa dos 70 anos; mas forte como um touro, alegre e esperto.
Logo raiando o dia, lá vinha o Sr. Sam com sua buzina única montado na carrocinha de entrega do nosso pão sempre quentinho com o inesquecível litro de leite, em garrafa de vidro, com era o costume naquele tempo. Eu vivia meus anos de Will Robson/Perdidos no Espaço – no grupo escolar na faixa dos 10 anos – e a minha felicidade era acordar com os passarinhos para pegar carona na “nave espacial” e ajudar o sr. Sam nas entregas. E lá íamos nós pelas ruas ora de asfalto ora de terra batida, saudando o Sol de todas as manhãs num ritual que lembrado, hoje, parece-me capaz de dominar o passar das horas congelando o tempo naquela eterna infância.
O Sr. Sam era mesmo incrível.
Porém, secretamente o que me alucinava era o velho cavalo meio manco do japonês. Astolfo, o seu nome de guerra. Trabalhador incansável, na juventude fora corredor de canchas curtas com velocidades inacreditáveis. Astolfo era bambambam! Na verdade, era o meu campeão. O Sr. Sam se entendia com ele apenas através de sussurros e alguns assovios diferenciados. Tlcok Tlock Tlock, e Astolfo paravam de imediato. Mais uma entrega de pão e leite. Fiu Fiuuuu, dois assovios, um curto outro longo, e o treinado cavalão retomava a caminhada da manhã.
O Sr. Sam um dia me confidenciou: “Motinha -era o apelido que herdei de meu pai-, sabia que o Astolfo sabe de tudo; apenas não fala como nós.
Mas me entende melhor que a Tadashi – esposa de Sam-. E não implica com o Sam, né! Ele é o melhor amigo do mundo. E tem uma coisa… presta atenção… o Astolfo é o único que conheço que faz cocô… caga certinho enquanto continua andando! Isto é in-clí-vel, Morinha”.
O tempo passou, eu fui crescendo e anos um dia chegou a hora de despedir-me do Sr. Sam. Astolfo, mais velhinho, já tinha, enfim, descansado de tantos anos de amor, dedicação e trabalho no transporte do pão nosso e o leite de cada dia. Com certeza, Astolfo agora estaria correndo pelas pradarias e canchas curtas lá do céu dos paquidermes. Ele merecia.
Era a hora do meu trem da Alta Paulista; trem que me levaria para Marília, uma cidade maior e com Terceiro Colegial junto com o Cursinho visando o Vestibular. O Sr. Sam me esperava na pequena área em frente à casa montada pelos pais dele há mais de 50 anos tendo à frente um delicado jardim oriental. Pequenas árvores, lago com peixes coloridos, pontes em arcos perfeitas, grama verde e lindos girassóis como eu jamais veria ao longo de minha vida.
“Então chegou a hora, né Motinha? Vai dar tudo certo, né?”, disse-me o Sr. Sam.
Após o longo abraço, tenho a impressão que ainda ouço, hoje, pelos ouvidos d’alma, a voz fina e fraca do Sr. Sam lembrando-me – em código – do nosso amado Astolfo e do segredo e maior tesouro do velho corredor de canchas curtas:
“Mo-ti-nha… não se esqueça… na vida é preciso aprender a cagá andando… cagaá andando, né!… sem parar, Mo-ti-nha!!!!!”.
Penso que ainda hoje, quase nos meus 70, Sr. Sam, ainda sigo caminhando e tentando apreender a técnica secreta do velho Astolfo. Difícil, né?!