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Suor e bolso vazio, o desafio para colocar o bloco na rua

Foto: Mauro Pimentel/AFP

Eles arrastam multidões pelas ruas do Rio de Janeiro durante o carnaval, a qualquer hora do dia ou da noite. Mas apesar do sucesso, os 473 blocos oficiais da cidade lutam para conseguir recursos e pagar os custos da diversão.

Formados por pessoas comuns, que no restante do ano são advogados, jornalistas, médicos, etc, os blocos simbolizam o lado democrático da festa mais popular da cidade. Antes mesmo dos quatro dias da folia oficial, os componentes, cariocas e turistas, capricham nas fantasias e se unem nesses cortejos musicais onde alegria e irreverência são quesitos obrigatórios.

A festa nas ruas não tem limite de participantes, nem cobrança de ingresso, ao contrário dos desfiles no sambódromo, onde o preço da entrada individual varia de R$ 10 a R$ 500.

“A maioria começou como um encontro de amigos”, lembra Tiago Rodrigues, da Orquestra Voadora, que estreou em 2009 e hoje atrai 100 mil foliões. “No nosso caso, foram 15 músicos amadores que tocavam em vários cortejos e criaram uma banda.”

Com o sucesso dos ensaios de rua, vieram os shows. “Em 2013, passamos a formar alunos para tocar com a gente, e a partir daí crescemos absurdamente”, conta Tiago.

Outro grande bloco que começou despretensioso foi o Quizomba, criado em 2001 por cinco amigos que tocavam no carnaval e decidiram abrir uma oficina de percussão.

“A ideia era fazer um bloco com os nossos ritmos. Também foi uma forma de ajudar financeiramente os componentes”, lembra o diretor-geral, André Schmidt. “Já passaram por aqui cerca de 2 mil alunos”, calcula.

“A partir do surgimento de alguns blocos com novas propostas musicais e suas oficinas, há cerca de 15 anos, houve uma explosão do carnaval de rua carioca”, explica o produtor cultural Rodrigo Rezende.

O aumento do público gerou mais despesas para os organizadores, que recorrem a alternativas como o crowdfunding, financiamento coletivo pela internet que se tornou uma prática comum. O objetivo é conseguir ajuda do público para cobrir parte das despesas, como a estrutura de som e seguranças para os músicos.

Mas a principal forma de financiamento dos blocos vem de shows durante o ano, da mensalidade das oficinas de percussão e do patrocínio de empresas privadas. “Todos são voluntários, dividimos as funções”, ressalta Tiago, da Voadora, cujo desfile tem um custo estimado em R$ 70 mil. “Ano passado conseguimos, pela primeira vez, não tirar dinheiro do bolso.”

Dificuldade de captação – A Orquestra Voadora é um dos oito blocos que integram a Liga dos Amigos do Zé Pereira, e recebe um patrocínio privado que cobre metade dos custos. “A liga tem a expertise de usar a Lei de Incentivo do estado, o que facilita a negociação”, explica o presidente, Rodrigo Rezende.

“O Rio tem um formato de carnaval que dificulta a nossa captação, porque a prefeitura ‘vende’ as ruas para gerar recursos”, explica.

“A empresa que compra esse espaço prepondera, aí fica difícil outra marca querer entrar. Então os blocos praticamente só têm essa fonte de captação privada, esse mesmo patrocinador oficial”, critica.

Durante a passagem dos blocos, até mesmo os ambulantes só são autorizados a vender produtos desta empresa patrocinadora.

Mas a ajuda para cobrir os gastos não se aplica à maioria. “O público não tem noção de quem financia o carnaval. Quem bota a festa na rua somos nós”, ressalta Thais Bezerra, maestrina e fundadora do Multibloco.

“Você consegue alguns apoios, mas pagar os custos de produção é muito difícil”, confirma o produtor da oficina de percussão do Terreirada Cearense, Igor Conde. O bloco começou em 2011 e hoje atrai 12 mil foliões.

Igor conta que pediu empréstimo para pagar o prejuízo de R$ 13 mil do ano passado. “Vale a pena, porque temos que pensar em todo o investimento em branding para nós, além de ser um trabalho de valorização da cultura popular, do apoio mútuo.”

“Muitos organizadores trabalham o ano inteiro de graça”, assinala Cris Couri, presidente do coletivo Coreto, que reúne mais de 20 blocos. “Alguns deles dividem o palco, reduzindo os custos de estrutura, além de fazerem pacotes conjuntos de compra de camisetas e tatuagens, o que acaba sendo um financiamento indireto”, explica.

Festa bilionária – Segundo a Riotur, 6,5 milhões de foliões devem brincar o carnaval na cidade em 2018, entre eles 1,5 milhão de turistas, que deverão movimentar R$ 3,5 bilhões. Os serviços pagos pela prefeitura, como banheiros, guarda e limpeza, totalizam R$ 16 milhões.

“É inviável distribuir aos blocos a quantia de que precisam. Além disso, a prefeitura não pode, por lei, passar dinheiro diretamente aos organizadores”, explica o diretor de comunicação do órgão, Rodrigo Paiva.

Este ano, a prefeitura conseguiu pela primeira vez um aporte de R$ 2 milhões para os cortejos junto aos patrocinadores oficiais, que farão a divisão do dinheiro.

O maior bloco da cidade, Cordão da Bola Preta, leva 1,5 milhão de foliões ao centro, ao custo de R$ 250 mil. Fundado há 100 anos por um grupo de boêmios, também enfrenta dificuldades. “Temos apoio logístico da prefeitura e do governo, mas financeiro, não”, diz seu presidente, Pedro Ernesto Marinho.

A tradição garante patrocínio ao veterano dos blocos. “Antigamente, o Bola tinha um quadro social grande, que pagava mensalidade, e não havia gastos como o de cinco trios elétricos e mais de 100 seguranças”, conta Pedro Ernesto.

“Fazemos eventos que nos possibilitam manter a sede e pagar os funcionários, mas não sobra dinheiro para financiar o carnaval. Sem patrocínio, ficamos de pés e mãos atados”, afirma.

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