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Santana deixa DP mais cedo após retrato-falado hilário

Santana, como de costume, chegou atrasado à delegacia. Mas nada além do que as quase duas horas de costume. Afinal, ele, segundo as suas próprias palavras, já havia feito muito para a polícia nos seus tantos e tantos anos de casa. Chegou, arrastou seu corpanzil através da portinhola que separava o público dos grandes defensores da ordem pública e, sem causar espanto nos colegas no balcão, foi direto para a cozinha tomar algumas xícaras de café. Obviamente, o Santana merecia essa pausa antes mesmo de começar a fatigante labuta.

Quase uma hora após, lá vem aquele paquiderme se sentar na cadeira ao canto, tentando não ser visto pelas pessoas que aguardavam o atendimento. No entanto, para o seu azar, uma mulher de seus lá trinta e poucos anos se sentou justamente no assento do outro lado da bancada.

— Quero registrar um boletim!

— O que houve? – o Santana, com o mau humor costumeiro, questionou a mulher.

— Fui estuprada!

Pois bem, o Santana, até mesmo o Santana, tomou um susto e arregalou aqueles olhos, que ficaram ainda mais esbugalhados.

— O quê? Onde foi isso?

— No Rio de Janeiro!

— E por que você não registrou isso lá?

— Porque estão me perseguindo!

O Santana, talvez resgatando aquele famoso tino policial, que na verdade nunca teve, começou a imaginar que a tal mulher não fosse muito boa da cabeça.

— E isso foi onde no Rio exatamente?

— Em Copacabana!

— Onde em Copacabana?

— Na praia!

— Quando foi?

— Domingo passado!

— Domingo? Qual o horário?

— Dez horas da manhã!

— Estava fazendo sol?

— Muito!

— Provavelmente a praia deveria estar cheia de gente.

— Lotada!

O Santana já estava quase erguendo o seu enorme corpo para ir tomar mais algumas xícaras de café. Pretendia deixar aquela maluca ali mesmo falando sozinha. Mas, antes que ele o fizesse, ela disse algo que o deixou curioso.

— Se quiser, posso fazer o retrato do estuprador!

Ele ficou ali com aquela cara de espanto, como que curioso do desfecho da história.

— Você pode me arrumar uma caneta e um papel? – perguntou a mulher.

O Santana se virou para o colega ao lado e disse:

— Me dá um papel e uma caneta aí.

Já com os objetos à mão, a mulher desenhou toscamente um rosto, como aqueles que fazemos quando estamos aprendendo a desenhar ou, como a maioria de nós, continuamos a fazê-los simplesmente para demonstrar a nossa completa falta de talento.

Assim que olhou o que a mulher havia desenhado, o Santana apenas balançou a cabeça. Não havia mais nada a se fazer na delegacia naquele dia e, então, ele, utilizando a própria lógica, foi embora. Já que havia chegado mais tarde, tinha o direito de sair mais cedo.

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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